Mais de meio bilhão de reais em dívidas. Apesar de títulos recentes, como as últimas duas edições da Copa do Brasil, aumento na quantidade de credores. A história do Cruzeiro no primeiro ano de mandato do presidente Wagner Pires de Sá seria parecida com a de outros clubes brasileiros, se não estivesse a administração comprometida por indícios de irregularidades.
A Polícia Civil de Minas Gerais instaurou inquérito para apurar denúncias sobre falsificação de documento particular, falsidade ideológica e lavagem de dinheiro. Os investigadores já ouviram 15 pessoas, todas elas relacionadas de alguma forma com o Cruzeiro – entre funcionários e ex-funcionários, dirigentes e prestadores de serviços que realizaram transações com o clube.
– Estamos investigando principalmente transações e pagamentos suspeitos. Sem a devida prestação do serviço ou superfaturados – afirma o delegado Domiciano Monteiro, chefe da Divisão de Investigação de Fraudes e Crimes contra a Administração Pública.
Procurado, o Cruzeiro se recusou a gravar entrevista em vídeo, mas respondeu por escrito. No início da noite deste domingo, antes da veiculação da reportagem no Fantástico, o presidente Wagner Pires de Sá emitiu nota oficial (leia a íntegra ao fim desta reportagem) na qual diz que um pequeno grupo da oposição do clube está "plantando notícias junto a alguns profissionais da mídia nacional".
Wagner Pires de Sá assumiu a presidência do Cruzeiro em janeiro de 2018 — Foto: Lucas Leite/ Cruzeiro
O inquérito se baseia em um balancete contábil analítico, que demonstra pagamentos feitos pelo Cruzeiro no decorrer de 2018, ao qual o Fantástico também teve acesso. A reportagem foi além e conseguiu quase 200 páginas de contratos e planilhas de controle interno. Há evidências de que a diretoria cruzeirense quebrou regras da Fifa e da CBF, no âmbito do futebol, e do governo federal, por meio do Profut, programa de renegociação de dívidas fiscais com clubes.
O caso mais grave é o contrato de mútuo, um empréstimo, assinado pelo Cruzeiro com um empresário chamado Cristiano Richard dos Santos Machado. Sócio de firmas de locação de veículos e equipamentos para proteção individual, ele não tem atuação no futebol. Ou não tinha. Em 1º de março de 2018, o empresário assinou contrato no qual formalizou um empréstimo de R$ 2 milhões para o Cruzeiro. A quantia deveria ser paga em duas parcelas mensais.
Contrato de mútuo mostra que Cruzeiro cedeu direitos de jogadores a Cristiano Richard — Foto: Reprodução
Um mês depois, em 3 de abril, o Cruzeiro assinou um segundo documento com Cristiano Richard. O clube alegou que não tinha condições financeiras para quitar o empréstimo e aceitou quitar a dívida com a cessão de direitos desportivos. A Cristiano Richard foram entregues percentuais sobre os direitos econômicos de dez jogadores do elenco profissional e das categorias de base.
David Correa da Fonseca (David) – 20%
Alejandro Santana Viniegra – 20%
Marco Antonio de Oliveira Coelho – 20%
Carlos de Menezes Júnior (Cacá) – 20%
Julio Cesar Pereira – 20%
Victor Alexandre da Silva (Vitinho) – 20%
Gabriel Nascimento Resende Brazão – 20%
Estevão William A. de Oliveira Gonçalves – 20%
Raniel Santana de Vasconcelos – 5%
Murilo Cerqueira Paim – 7%
Na prática, esses direitos correspondem à multa rescisória de contratos entre clubes e atletas. Quando o atacante David fosse vendido pelo Cruzeiro para outra equipe, por exemplo, 20% do valor da transferência seriam repassados a Cristiano Richard. No entanto, a prática foi proibida pela Fifa em 2015. Apenas clubes e os próprios atletas podem, desde então, ter partes de direitos econômicos – legalmente semelhantes ao que antigamente se chamava de “passe”.
Entre os atletas cujos percentuais foram cedidos a Cristiano Richard em troca do empréstimo de R$ 2 milhões, está Estevão William. O torcedor talvez nunca tenha ouvido falar em seu nome, por um bom motivo. Conhecido nas categorias de base cruzeirenses como “Messinho”, o garoto tem apenas 12 anos. Há grande expectativa em relação ao seu futebol, tanto que com esta idade ele já tem contrato de patrocínio com marca internacional de materiais esportivos, além de ser agenciado pelo empresário André Cury há cerca de três meses.
O Cruzeiro não poderia ter cedido percentuais sobre o contrato de Estevão a terceiros, em primeiro lugar, porque a prática foi proibida pela Fifa. Em segundo, porque potenciais jogadores só podem assinar seus primeiros contratos profissionais a partir dos 16 anos. Antes disso, crianças e adolescentes podem no máximo ter contratos de formação, nos quais não há direitos federativos e econômicos. A venda de 20% de Messinho não poderia ter ocorrido.
Ivo Gonçalves, pai do menino, conversou com o Fantástico ao entrar na Toca da Raposa, centro de treinamento cruzeirense, para buscar o filho em mais um dia de treino. Ao ser informado pela reportagem acerca da venda feita pelo Cruzeiro e ver a cópia do contrato, ficou assustado e custou a acreditar na informação. Nervoso, disse que não gostaria de gravar entrevista.
David é um dos jogadores que tiveram percentuais dos direitos cedidos a Cristiano Richard — Foto: Vinnicius Silva / Cruzeiro
Por essas infrações às regras da Fifa, o Cruzeiro pode ser proibido de transferir jogadores e até registrar novos atletas, de acordo com o advogado desportivo Bichara Abidão Neto. As sanções disciplinares pela cessão de direitos econômicos para terceiros, como no caso de Cristiano Richard, começam em advertência e multa e podem ser mais severas em caso de reincidência.
Cristiano Richard foi encontrado pela reportagem em sua residência em Belo Horizonte na última quinta-feira, mas não quis responder a perguntas. O empresário avisou, por meio do porteiro, que acabara de chegar de viagem e que ligaria de volta no dia seguinte. Não ligou.
O Cruzeiro não considera ter violado regras sobre transferências.
– O Cruzeiro firmou contrato de mútuo (empréstimo) com o senhor Cristiano Richard em março de 2018, em momento de grande dificuldade financeira para fazer frente a pagamentos emergenciais como impostos, encargos financeiros e outros compromissos. Entretanto, o Cruzeiro nunca firmou contrato para intermediação desportiva com o senhor Cristiano Richard, sendo que o pagamento feito ao mesmo diz respeito somente à liquidação (parcial) do mútuo.
Os contratos obtidos pela reportagem foram assinados pelo presidente Wagner Pires de Sá, por Itair Machado de Souza, vice-presidente de futebol, e Sérgio Nonato dos Reis, diretor-geral. Os dois últimos tiveram firma reconhecida em cartório. A reportagem verificou a validade dos selos estampados pelos Tabelionatos de Notas de Belo Horizonte, e ambos estão válidos.
Mais intermediários
Um dos casos que chamaram a atenção da Polícia Civil de Minas Gerais foi o da AV & S Consultoria Desportiva Ltda. O nome da empresa consta no balancete contábil analítico do Cruzeiro, no qual há indicação de que houve pagamento de até R$ 369 mil no decorrer de 2018.
A companhia possui como primeira atividade econômica o “agenciamento de profissionais para atividades esportivas, culturais e artísticas”. A sua segunda atividade econômica é a “extração de madeira em florestas plantadas”. E a terceira é o “comércio varejista de madeira e artefatos”.
O endereço registrado no CNPJ da AV & S está localizado em Itamarandiba, município a cerca de 400 quilômetros de Belo Horizonte. Visitado pela reportagem, o local abriga uma madeireira com o nome AV & S Madeiras no muro e uma placa de “vende-se”.
Balancete do Cruzeiro indica pagamento de R$ 369 mil a empresa registrada em endereço onde fica uma madeireira — Foto: Reprodução
O Fantástico tentou contato com os sócios da empresa, Eduardo Diniz Silveira e Celso Antônio Advincula Vitor. Os telefones deles estavam desligados. Em um dos números cadastrados em seus registros, atendeu o irmão de Advincula, que não soube dizer se ele trabalhava com futebol.
– Você tem notícia de que ele já trabalhou com futebol? – questionou o Fantástico.
– Ah, ele é atleticano, é atleticano... – respondeu o irmão.
– E de negócios com o Cruzeiro?
– Não sei, não.
Torcidas organizadas
Os documentos obtidos pela reportagem também revelam pagamentos feitos pelo Cruzeiro a torcidas organizadas. Daniel Gomes Sales, conhecido como Quik, é diretor da Máfia Azul e aparece na contabilidade com o valor de R$ 88 mil recebido no decorrer de 2018. Ele possui contrato com o clube válido até dezembro de 2020 no valor de R$ 8 mil mensais.
Daniel possui condenação por porte ilegal de armas e cumpriu prisão em regime semiaberto. Após a sua soltura, passou a se dedicar ao braço de comunicação da torcida organizada à qual é filiado, a TV Máfia Azul. Ele acompanha a delegação do futebol profissional em viagens dentro e fora do país e tem acesso privilegiado a bastidores para produzir o conteúdo.
Diretor da Máfia Azul recebeu R$ 88 mil do Cruzeiro ao longo de 2018 — Foto: Washington Alves/Light Press
Em conversa com o Fantástico, o líder da torcida organizada explicou que vende anúncios em seu canal do mesmo modo que grandes emissoras. Ele admitiu que recebe dinheiro de empresas como o Banco Digimais, atual patrocinador máster do Cruzeiro, e do próprio clube para divulgar o programa de sócios-torcedores, o Sócio do Futebol. No entanto argumentou que o pagamento feito pelo Cruzeiro não configura como financiamento do clube à torcida organizada.
– O Cruzeiro não me paga nada. Não tenho nenhuma relação com o Cruzeiro. Tanto que a nossa TV é independente. Eles pagam publicidade – afirmou Quik por telefone.
– O Cruzeiro paga publicidade para você, e você expõe a marca do Cruzeiro em troca de R$ 8 mil por mês, é isso?
Daniel parou de responder neste trecho, e a ligação caiu. A reportagem refez o contato, e ele rebateu.
– O Sócio do Futebol, ele tem propaganda na Globo também, não tem? Isso é contrato, como tenho com todos os patrocinadores.
A Máfia Azul não é a única torcida organizada remunerada pelo clube. A China Azul também possui contrato válido até dezembro de 2020, pelo qual tem direito ao repasse de R$ 6 mil mensais a título de divulgação das marcas cruzeirenses em seus canais de mídia e redes sociais.
O Cruzeiro escreveu, em nota enviada à reportagem, que não remunera torcidas organizadas ou seus membros, mas admitiu que faz anúncios em canais pertencentes a essas associações.
– O Cruzeiro não remunera torcidas organizadas e nem seus membros. Apenas em algumas ações de marketing ou comerciais, o clube contrata exposição de mídia em propriedades comerciais, entre elas, a TV Máfia Azul, para exposição e venda do produto sócio-torcedor e para divulgação de eventos e campanhas de marketing, por considerar se tratar de grande potencial de venda para adesão de novos sócios pelo público que atua, sendo a receita de sócios de futebol essencial ao fluxo financeiro do Cruzeiro.
Salários de dirigentes
Há três principais figuras à frente da atual administração do Cruzeiro. Wagner Pires de Sá é o presidente, Itair Machado de Souza é vice-presidente de futebol e tem plenos poderes sobre todas as áreas do clube, e Sérgio Nonato dos Reis é diretor-geral. Apesar de haver mais de meio bilhão de reais em dívidas a pagar, segundo o balanço mais recente, seus salários são altos.
Itair assinou seu primeiro contrato com o Cruzeiro em 2 de janeiro de 2018, por meio da empresa da qual é proprietário, a IMM Assessoria e Consultoria Esportiva Ltda. O acordo vai até dezembro de 2020 e dá ao dirigente uma remuneração mensal de R$ 180 mil, sendo que no mês de dezembro de cada ano ele tem direito ao dobro disso, R$ 360 mil, como 13º.
Em fevereiro de 2018, além da remuneração ordinária, o Cruzeiro se comprometeu a pagar a Itair a quantia de R$ 540 mil à vista por causa da prestação de serviços nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2017. Wagner Pires de Sá foi eleito presidente em outubro daquele ano, portanto os valores pagos a Itair correspondem à remuneração retroativa.
Em 30 de junho de 2018, Itair assinou o primeiro aditivo de seu contrato. Nele, a redação da cláusula que tratava da remuneração foi alterada para evitar qualquer tipo de desconto no salário do dirigente. “O contratante pagará ao contratado, mensalmente, a importância líquida e certa de R$ 180 mil.”
Sem contar os bichos, Itair Machado recebeu R$ 3,3 milhões do Cruzeiro em 2018 — Foto: Vinnicius Silva/Cruzeiro
Em 1º de agosto de 2018, já com as principais competições nacionais em andamento, Itair assinou o segundo aditivo ao seu contrato inicial. Desta vez para acrescentar à sua remuneração o recebimento de bichos dobrados. O vice de futebol tem direito a 100% dos bichos distribuídos ao elenco profissional, e além disso recebe valores pré-determinados para cada competição em caso de título. A Copa do Brasil de 2018 lhe rendeu R$ 600 mil. O Campeonato Mineiro de 2019, mais R$ 200 mil. Os valores escalam conforme a importância da competição.
A soma da entrada paga em fevereiro, dos salários durante todo 2018 e das premiações por títulos, no caso de Itair, chega a R$ 3,3 milhões. O dirigente ainda teve direito aos bichos distribuídos ao elenco profissional, portanto o valor efetivamente recebido é ainda maior. De todo modo, a quantia representa média de R$ 275 mil por mês. De acordo com pesquisa feita pela auditoria e consultoria Ernst & Young em 2017, a remuneração média de um diretor de futebol de primeira divisão que receba como pessoa jurídica é de R$ 115 mil por mês. Veja as premiações previstas:
R$ 200 mil em caso de conquista do Mineiro de 2019
R$ 600 mil em caso de conquista da Copa do Brasil de 2018 ou 2019
R$ 1 milhão em caso de conquista do Campeonato Brasileiro de 2018 ou 2019
R$ 500 mil em caso de classificação para a fase de grupos da Libertadores de 2019 via Brasileiro
R$ 750 mil em caso de conquista da Libertadores de 2018 ou 2019
R$ 1 milhão em caso de conquista do Mundial de Clubes de 2018 ou 2019
No caso de Sérgio Nonato, a quantidade de contratos e aditivos é ainda mais farta. Serginho, como é conhecido em Belo Horizonte, é um ex-comentarista que participava de programas de mesa-redonda na hora do almoço na TV Alterosa. Ele foi contratado por Wagner Pires de Sá para ocupar a diretoria-geral do Cruzeiro, cargo que, segundo seus contratos, está diretamente ligado ao departamento comercial e de marketing. Mais uma vez há sinais de superfaturamento.
O primeiro contrato de Serginho, por meio da empresa SRN Consultoria Esportiva, foi feito duas vezes. A primeira versão, que previa salário de R$ 60 mil mensais, não contou com a distribuição de bichos, tal qual acontece com Itair, e foi refeita para que o dirigente tivesse direito a 100% dos valores distribuídos pelo clube ao futebol profissional desde o princípio. O documento foi assinado por ele e pelo presidente Wagner Pires de Sá em 6 de abril de 2018.
Sérgio Nonato recebeu R$ 875 mil em 2018, sem contar os bichos — Foto: Vinnicius Silva/Cruzeiro
Apenas duas semanas após a assinatura do primeiro contrato, Serginho ganhou aumento. Em seu primeiro aditivo contratual, o dirigente ganhou “luvas” de R$ 300 mil a serem pagas no vencimento de maio de 2018, além de um aumento salarial para R$ 75 mil mensais, este a começar no mês de junho. O documento não explica as razões da bonificação e do aumento.
No fim do ano, o presidente Wagner Pires de Sá concedeu um novo aumento a Serginho. No dia 1º de dezembro, o diretor-geral elevou a sua remuneração mensal para R$ 125 mil por mês.
A considerar apenas as “luvas” e remunerações pagas pelo Cruzeiro a Sérgio Nonato, a quantia recebida por ele no decorrer de 2018 chega a pelo menos R$ 875 mil. Mais uma vez, não foram contabilizados pela reportagem os bichos pagos ao futebol profissional, aos quais o dirigente também tem direito, embora não pertença ao departamento de futebol. A remuneração mensal calculada a partir deste valor, R$ 73 mil, é maior do que a remuneração média de um CEO, de acordo com o estudo produzido pela EY, de R$ 47 mil para profissionais como pessoa jurídica.
No caso de Serginho, o diretor ainda tem direito a comissões sobre negócios fechados por ele na área comercial. O Cruzeiro afirmou, em nota oficial, que o dirigente foi responsável pessoalmente pela captação de grande parte dos atuais patrocinadores do clube.
Sérgio Nonato recebeu aumento duas semanas após assinatura do primeiro contrato — Foto: Reprodução
Como justificativa para a remuneração de Itair Machado, o Cruzeiro informou em nota que a diretoria tomou a decisão de valorizá-lo diante do interesse de outros clubes por seu trabalho.
– O aditivo mencionado foi firmado pelo Cruzeiro no intuito de valorizar o bom trabalho que estava sendo desenvolvido pelo dirigente, que inclusive despertava o interesse do mercado para sua transferência, firmado bem antes da conquista da Copa do Brasil. E, conforme já esclarecido, os dirigentes do Cruzeiro são remunerados em razão do cargo exercido, das responsabilidades a ele inerentes, utilizando-se os parâmetros do mercado de trabalho do futebol.
No caso de Sérgio Nonato, o clube afirmou que a promoção do cargo de diretor de comunicação para o de diretor-geral justificou os aumentos e benesses concedidos a ele durante o ano.
– Como amplamente divulgado na mídia da época, seu cargo inicial era de "Diretor de Comunicação", tendo sido alterado para "Diretor Geral", justificando a necessidade de adequação contratual ao seu novo cargo e respectivas funções. E, conforme já esclarecido, os dirigentes do Cruzeiro são remunerados em razão do cargo exercido, das responsabilidades a ele inerentes, utilizando-se os parâmetros do mercado de trabalho do futebol.
Fiscalização comprometida
O monitoramento das ações da diretoria, no caso de um clube de futebol, compete aos Conselhos Fiscal e Deliberativo. No caso do Cruzeiro, ambas as esferas tiveram a sua capacidade de fiscalização comprometida por atitudes tomadas pela presidência de Wagner Pires de Sá.
O Conselho Fiscal cruzeirense era composto, até o início deste mês de maio, por três membros: Celso Luiz Chimbida, Geraldo Luiz Brinat e Ubirajara Pires Glória. Todos eles renunciaram de uma só vez no dia 8 de maio. A principal motivação foi a falta de acesso a documentos.
Os três conselheiros fiscais receberam neste ano uma Instrução Normativa, redigida por um escritório de advocacia, na qual foram estabelecidas regras pela diretoria para que o Conselho Fiscal tivesse acesso a documentos. Nela, o artigo quinto estabelece que a diretoria poderá rejeitar solicitações por documentos físicos caso entenda que não há justo motivo.
No caso do Conselho Deliberativo, o apoio à administração é obtido por meio de remuneração de determinados conselheiros e pela entrega de mimos aos demais. A reportagem encontrou no balancete contábil referente a 2018 valores relacionados a pelo menos 18 conselheiros.
Em fevereiro deste ano, esses conselheiros foram convocados pela diretoria a autorizar a tomada de um empréstimo de R$ 300 milhões com um fundo estrangeiro. Apenas dois conselheiros votaram de maneira contrária à operação. O Fantástico ouviu um conselheiro, cuja identidade será preservada, sobre a maneira como a diretoria conduziu a situação na ocasião.
– Foi um circo. Levaram os conselheiros em grupos de 30, 40, 50 para a Toca da Raposa, deram camisas, apresentaram números, e nos números você demonstra o que quer. Deram lanches e medalhas. Inclusive a minha está guardada comigo, com muito carinho, fiquei muito satisfeito de receber essa medalha, mas eu acho que isso não representa o real interesse do Cruzeiro.
O modus operandi também foi relatado por um ex-funcionário cruzeirense que, amedrontado pela diretoria de Wagner Pires de Sá, preferiu manter a identidade preservada.
– Nas reuniões, eles estavam falando que, se a gente quisesse continuar na diretoria, ganhar as próximas eleições, a gente precisava dar muito churrasco, cerveja, ingressos para jogos e outras coisas para os conselheiros. Porque aí a gente vai tê-los com a gente.
A condução dos conselheiros por parte da direção do Cruzeiro é confirmada também por Ronaldo Granata, atual vice-presidente, que foi eleito na chapa de Wagner Pires de Sá por motivos políticos, mas que foi afastado pela atual diretoria logo depois da eleição.
– O problema é que esse conselheiro perde a imparcialidade. Ele passa a ser funcionário da administração. Ele passa a ter que concordar. Ele vira uma vaquinha de presépio: abaixando a cabeça, aprovando conta.
O Cruzeiro afirma em nota que não há restrição para a remuneração de conselheiros no estatuto. Também diz que não há relação direta entre a prestação de serviços dessas pessoas ao clube e a maneira como elas se posicionam em votações no Conselho Deliberativo.
– O Estatuto Social do Cruzeiro não veda a contratação de conselheiros para prestarem serviços ao clube. A vedação de remuneração é somente no que diz respeito a ser remunerado pela atividade de conselheiro o que, evidentemente, desconfiguraria a atividade associativa. A prestação de serviços por conselheiros é prática de décadas, onde pessoas se dedicam a atividades profissionais em suas áreas de atuação, inclusive com maior e melhor dedicação, ressalvados os requisitos básicos da contratação, como melhor preço, qualificação e necessidade. Abrir mão de conselheiros competentes, alguns deles renomados nas suas áreas de atuação, seria incoerente com seu objetivo social. Em relação aos conselheiros prestadores de serviços, não há relação direta entre prestação de serviços e interesse nas votações do Conselho, o que somente pode ser verificado caso a caso, conforme a matéria que será posta a deliberação, tratando-se de questão pessoal que deve ser analisada por cada conselheiro na hipótese específica, ou impugnada sua participação por quem assim entender, circunstância esta que nunca ocorreu.
Nota oficial do presidente do Cruzeiro:
"Nação Azul,
Me dirijo a vocês para me manifestar em nome do Cruzeiro Esporte Clube, de forma antecipada e imediata, a respeito de uma matéria realizada pelo Grupo Globo, que será exibida na noite deste domingo, 26 de maio de 2019, no programa Fantástico, conforme chamada realizada pela emissora durante a exibição da partida Flamengo x Athletico.
Primeiramente, lamento que a última eleição presidencial ainda não tenha acabado para alguns indivíduos. Adversários derrotados no pleito têm insistido, nos bastidores, em tentar tumultuar o ambiente do Cruzeiro, com o auxílio de um pequeno grupo, plantando notícias junto a alguns profissionais da mídia nacional, que infelizmente têm acreditado em tais conteúdos.
Nossa gestão assumiu o Clube de forma oficial no início do ano de 2018 com a maior e mais absurda e delicada dívida de sua história. No entanto, a nossa diretoria não tem medido esforços e já vem exercendo uma política de contenção de gastos, e tem trabalhado em um grande projeto de planejamento para tentar equacionar as dívidas do Cruzeiro.
Todas as perguntas enviadas pela reportagem do Grupo Globo, nesta semana, foram prontamente respondidas aos jornalistas, dentro do prazo pedido pelos mesmos, atendendo ao deadline da matéria.
Atualmente, o Cruzeiro possui 14 conselheiros que formam uma oposição. Nós apuramos que um deles teve acesso a documentos sigilosos e os divulgou de maneira proibida para o público externo, mesmo em se tratando de registros de cunho interno, de uma entidade privada.
O intuito deste comunicado não é, em momento algum, o de atrapalhar a veiculação da reportagem prometida pela emissora para a noite deste domingo. Mas, sim, o de tranquilizar a Nação Azul, aos verdadeiros cruzeirenses, reforçando nosso compromisso de tratar as coisas do Clube com a maior transparência e responsabilidade possível, dentro e fora das quatro linhas, pois, reforço, assumimos a instituição sabendo da constrangedora situação financeira do Clube.
Reitero minha lamentação em relação ao comportamento ressentido destes alguns indivíduos que se dizem cruzeirenses, mas que, na verdade, pensam apenas em seus benefícios próprios, colocando os aspectos político e pessoal acima de qualquer sentimento em relação ao Clube.
A atual diretoria quer apenas fazer o nosso trabalho em paz e recolocar o Cruzeiro nos trilhos, consertando diversos erros, alguns que ultrapassam os limites da absurdez, cometidos pela gestão passada.
Em nome da transparência e da lisura que o Cruzeiro merece ser tratado e nossa torcida merece ser informada, decidimos nos manifestar de forma imediata.
Atenciosamente,
Wagner Pires de Sá
Presidente do Cruzeiro Esporte Clube"
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