Perto do fim do contrato com o Vasco, atacante revela desejo de ficar, agradece a Deus por segunda oportunidade e espera ter condições de realizar a pré-temporada
A cicatriz e o desfibrilador implantado no lado esquerdo do peito não deixam Everton Costa se esquecer do maior susto de sua vida. Muito menos a tatuagem no punho esquerdo da esposa Neiva, com a cruz de malta e a inscrição 16/04/14. Foi naquela quarta-feira que a luta do atacante começou. Batalha que já teve algumas etapas vencidas, mas que ainda está longe de terminar. Quase oito meses depois da arritmia cardíaca, o jogador só foi liberado para realizar atividades físicas leves. Mas traça metas otimistas: além da certeza de que irá voltar a jogar profissionalmente, alimenta a esperança de realizar a pré-temporada em janeiro sem limitações.- Sonho com meu primeiro gol. Vou ajoelhar e agradecer a Deus na comemoração. Ele me trouxe de volta, me ressuscitou praticamente. Eu estava morto e ele me ressuscitou. Ganhei uma nova chance na vida e não é qualquer um que recebe isso (...) Quero realizar a pré-temporada. Creio que até lá já possa estar 100% liberado para treinar. Coloquei isso na minha cabeça desde o início - revelou Everton em entrevista ao GloboEsporte.com.
O futuro, seja sobre o retorno ao futebol ou o clube que vai defender, ainda é uma incógnita. O desejo, Everton não escondeu, é renovar com o Vasco. O contrato de empréstimo termina no dia 31 de dezembro. Já o acordo com o Coritiba vai até o fim de 2015. Nesta entrevista em seu prédio no Recreio, Zona Oeste do Rio de Janeiro, o atacante de 28 anos relembrou os momentos de tensão, revelou os planos que passaram por sua cabeça quando pensava que seria obrigado a se aposentar, avisou que já procura uma proteção para usar no peito e garantiu que o seu coração está mais forte do que nunca. Pronto para seguir batendo dentro das quatro linhas.
Confira a entrevista na íntegra:
Como está o coração?
Bombando, né? (risos). Respondendo como esperado. Não tive mais arritmia alguma, o coração não bateu mais acelerado.
O que faz ele bater mais forte?
Minha família. Só por estar vivo eu já tenho que agradecer a Deus por não ter me separado da minha filha. Quero muito poder criar minha filha normalmente. Até morrer, quero sempre poder estar presente no dia a dia, no desenvolvimento e no crescimento dela. Isso é para sempre. Não tem como não ficar feliz tendo uma família como a minha. Me emocionei quando deixei o hospital e voltei para casa. Ela veio correndo me abraçar. Fez até um cartaz onde estava escrito "#forçaevertoncosta, todo mundo te ama". Ali foi um baque. Não deixei ela ir no hospital com medo de alguma doença, bactéria e tal. Se não fosse pela minha família e por Deus eu não estaria aqui hoje.
Como é viver com um desfibrilador no corpo?
Me sinto normal, como se não tivesse nada em mim. Está do lado esquerdo do peito. Como sou magro, dá pra ver que tem algo quando estou sem camisa. Mas no dia a dia eu esqueço.
Do que você se lembra daquela quarta-feira, dia 16 de abril?
Senti uma dor no peito ainda no primeiro tempo. Não conseguia respirar. Chamei o médico, deitei e ele pediu para que eu saísse de campo para ver se melhorava. Deu certo e fui até o final. No intervalo me deram remédio, vomitei e achei que era apenas um enjoo. O Adilson perguntou se eu tinha condições de voltar, falei que sim. Mas no início do segundo tempo vi que ia piorar e pedi a substituição. Era uma dorzinha no coração, uma falta de ar. Não fiquei com medo, nunca tinha sentido aquilo antes, não tenho sequer histórico na família. Foi do nada mesmo. E olha que faço exames de rotina como qualquer jogador. Nunca deu nada. Não imaginava o que podia acontecer. Quando sai de campo, senti que meu batimento estava além do limite, batendo mais do que deveria. O doutor mandou eu me deitar e colocar a perna para o alto. Daquele momento em diante, me lembro de pouca coisa. Acordei já na ambulância. Depois me recordo de estar no hospital, recebendo soro, fazendo exame de sangue. Nem me lembro de deitar ao lado do banco de reservas, por exemplo. Só depois vi nas imagens. Eu pedi para ver.
Teve medo de morrer?
Não. Fiquei com medo, ruim mesmo, de saber que eu poderia parar de jogar. É o que eu sei fazer, a minha profissão. Sou novo ainda e seria difícil encerrar a carreira. Mas depois que o doutor me falou que colocando o desfibrilador eu teria chances de voltar a jogar, fiquei mais esperançoso. Se eu não colocasse, não teria chance alguma de voltar a exercer a minha profissão. Poderia ter outra arritmia e não sobreviver. Mesmo que eu não fosse jogador, também colocaria para não correr riscos. É uma coisa que independe de eu voltar a jogar ou não. Ali a ideia de pensar em parar saiu da minha cabeça. Quando me perguntam hoje, eu aviso que vou voltar. Em 2015 estarei de volta. Vou mostrar que tenho muita fé em Deus. Fiquei ainda mais religioso após a arritmia. Só por ele que estou vivo. Não é normal o seu coração ir a 250 batimentos por minuto. O médico me disse que se eu não fosse um atleta, não necessariamente jogador de futebol, mas atleta mesmo, eu não teria sobrevivido. Se eu bebesse ou fumasse, por exemplo, meu coração não teria aguentado.
Quando a ideia de parar ainda te angustiava, qual era o seu pensamento? O que faria sem o futebol?
Pensei até em abrir uma escolinha de futebol para coordenar, uma quadra de futebol de sete, sei lá. Algo para me manter no meio do futebol. É difícil ter de pensar nisso. Um cara como eu, com o meu biotipo e minhas características, espera jogar até 39, 40 anos. Só não pensei em ser treinador, nem pensar (risos) Poderia, talvez, trabalhar com o meu empresário (Jorge Machado). Também tenho meus contatos. Era uma possibilidade. Ele mesmo disse que estaria do meu lado para o que der e vier. Disse que iria me ajudar, que as portas estavam abertas para mim. Se parasse, acho que iria trabalhar com ele.
Por enquanto, quase oito meses após o ocorrido, os médicos só te liberaram para realizar atividades físicas leves. Segue confiante em voltar a jogar?
Tenho 100% de certeza de que vou voltar a jogar. Na coletiva que anunciaram meu retorno às atividades leves, fiquei escutando tudo lá atrás. Vai depender da minha evolução. Nas primeiras atividades na esteira, andando, eu tinha uma orientação. Meu coração não podia passar de 130 batimentos por minuto. Chegou a 120 e não deu problema algum. Mostra que estou evoluindo. Agora posso fazer um trote. Nas férias em Porto Alegre, vou começar a correr na esteira. No Rio, eu só estava caminhando. Na última quinta-feira também comecei a fazer musculação, a pegar peso leve.
Futebol é um jogo de muito contato? Não tem medo de algum impacto no desfibrilador?
Não tem problema algum. Tem até um jogador belga que joga com o desfibrilador. Vi o vídeo do momento em que ele teve a arritmia em campo. Segundos depois o aparelho reconheceu e o ajudou. Claro que não dá para comparar o joelho ao coração, mas já tive uma lesão no cruzado e fiquei oito meses sem jogar. Pensavam que eu iria voltar com medo das divididas, mas aconteceu justamente o contrário. Na final do Campeonato Paranaense contra o Atlético-PR, entrei sem medo algum. Creio que com o aparelho não vai ser diferente. Dentro de campo eu esqueço de tudo. O que eu tive, o que posso ter. Sei que vai dar certo. Mas conversei com o meu médico e chegamos a um acordo de que o ideal será jogar com uma proteção no peito. Já andei até pesquisando na internet algo para proteger o aparelho.
Everton sorri ao lado da filha Sofie e da da esposa Neiva:
confiança total em voltar aos gramados (Foto: Edgard Maciel de Sá)
O vídeo do jogador belga (reveja aqui) te assustou?
Claro que assusta. Até porque na primeira vez que vi, não sabia se o aparelho iria funcionar. O cara caiu em campo e fiquei ansioso para ver como ele iria reagir. Mas logo vi o choque, as pernas dele balançando. Ali vi que não vou correr perigo de morrer. Se Deus quiser, em 2015 estarei de volta aos campos.
Qual o futuro do Everton Costa? Quer ficar no Vasco? Volta ao Coritiba?
Só Deus sabe. Meu contrato de empréstimo com o Vasco termina em dezembro. Já com o Coritiba vai até o final de 2015. Tive um ano bem intenso. O gostinho de ficar fora de uma partida importante é horrível. Ainda mais em uma final como aquela do Campeonato Carioca. Infelizmente fui expulso no primeiro jogo. E ainda tive o gostinho de ser campeão pelo Vasco logo no primeiro ano até os minutos finais do Estadual. Já tinha até descido para o vestiário para comemorar. Eu gostaria de renovar com o Vasco. Pelo carinho que o torcedor demonstra nas ruas, pelo carinho que eu criei pelo clube. Me esforço até o limite, dou meu máximo. Deu até para ver isso no meu problema. Poderia ter acontecido uma tragédia. Eu quero ter novamente o gostinho de poder jogar o Carioca, de levantar uma taça pelo Vasco. Quero dar continuidade a isso e ser lembrado pelo que fiz, não pelo o que aconteceu comigo. Vejo muito os torcedores falando que posso me tornar um ídolo do clube. Seria uma honra me juntar a nomes como Dinamite, Juninho, Pedrinho, Felipe. Quero mostrar que ainda posso dar muito mais ao Vasco.
Traçou uma meta para voltar a jogar?
Quero realizar a pré-temporada. Creio que até lá já possa estar 100% liberado para treinar. Coloquei isso na minha cabeça desde o início. Vai depender da minha evolução, se o coração estiver respondendo como esperado. Já estou quase começando a correr. Ai terei uma resposta melhor do coração. Treinei até semana passado com o Vasco. Na semana que vem viajo de férias para Porto Alegre e lá vou trabalhar com um personal. O doutor Clóvis (Munhoz, coordenador médico do Vasco) e o doutor Gustavo (Gouvêa, cardiologista contratado pelo Vasco para acompanhar o caso) entraram em contato com um profissional de lá que vai me auxiliar. Estou levando meu relatório para ele.
Depois da arritmia você chegou a tentar contato com outros atletas que tiveram problemas no coração, como Washington, Renato Abreu e Fabrício Carvalho?
Logo depois do problema o Washington me mandou uma mensagem pelo Facebook. Fabrício e Renato também me procuraram. Tive mais contato com Washington e Fabrício, sempre conversamos pela internet. Me apoiaram, me mandaram mensagens de incentivo. Claro que são casos diferentes, mas os dois voltaram a jogar. Mesmo com médicos dizendo que eles não conseguiriam. Washington foi o artilheiro do Brasileirão de 2004 e chegou na Seleção. Eu pego ele como exemplo e vou tentar fazer o que ele fez. Quero renovar com o Vasco e dar meu máximo para um dia chegar na Seleção. Tenho muita fé em Deus como ele teve.
O Washington virou o Coração Valente após o problema. Você era chamado de Predador e Avatar. Vai mudar isso?
(Risos) Não sei. Nem pensei ainda. Mas confesso que já sonho com meu primeiro gol. Vou ajoelhar e agradecer a Deus na comemoração. Ele me trouxe de volta, me ressuscitou praticamente. Eu estava morto e ele me ressuscitou. Ganhei uma nova chance na vida e não é qualquer um que recebe isso. Poderia até bater no peito também para mostrar que está tudo bem. O Washington batia forte, mas eu tenho que ir com calma por causa do desfibrilador (risos).
Quem viabilizou o retorno do Washington aos gramados foi o doutor Constantino Constantini, um dos cardiologistas mais renomados do Brasil. Ele é de Curitiba. Já pensou em procurá-lo caso volte para lá?
Toda ajuda é bem-vinda. Ainda mais de um médico de qualidade. Fui acompanhando de perto pelo doutor Gustavo desde o início do meu problema. Ele vai seguir comigo para onde quiser que eu vá. Mas é possível que nós procuremos o Constantini sim, até pela experiência dele.
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