Morte do zagueiro do São Caetano completa uma década nesta segunda-feira. Amigos, companheiros, médicos e familiares relembram a tragédia do Morumbi
Serginho caído no gramado do Morumbi (Foto: Agência Estado)
A tragédia chocou o país. Mas, tanto tempo depois, muitas incertezas, tristeza e mistérios ainda envolvem o caso, que teve seus desdobramentos na Justiça, mas nem tudo foi esclarecido, tampouco esquecido. O GloboEsporte.com falou com pessoas envolvidas na morte do jogador e, entre tantas incoerências, apenas uma coisa é absoluta: a saudade de um dos pilares daquele emergente Azulão.
serginho sabia?
A frase acima é de Paulo Forte, médico do São Caetano. Assim, ele tenta esclarecer duas das maiores dúvidas que envolvem a morte de Serginho: qual era a gravidade da doença do atleta? Ele sabia que corria risco de morrer ao continuar jogando futebol?
Serginho fez parte de um dos times mais fortes da história do São Caetano
(Foto: Arquivo Pessoal)
Os
exames que detectaram a arritmia cardíaca foram feitos em fevereiro de
2004. Ele chegou a ser afastado dos treinos alguns dias para cuidar do
problema e, após novas avaliações, foi constatado que tal problema não o
impediria de seguir atuando. Essa é a versão do clube e também das
pessoas mais próximas ao jogador, como os pais, a viúva e os
ex-companheiros.- Fomos fazer os exames no início do ano e no resultado do Serginho deu uma arritmia. Porém, em momento algum o São Caetano foi comunicado pelo Incor que ele estava proibido de qualquer tipo de atividade. O Serginho não sabia, a família não sabia, ele não tomava nenhum remédio. Ele não sabia que poderia morrer jogando e nós nunca fomos avisados que ele teria de parar. Até eu fiz exames pessoais com o Edimar Bocchi e ele nunca falou sobre o atleta - disse Nairo Ferreira, presidente do Azulão.
A história, porém, ganhou capítulos mais complicados. Após a tragédia, surgiu um prontuário assinado pelo médico Edimar Alcides Bocchi, então diretor da unidade clínica de insuficiência cardíaca do Incor, que chefiou os exames do elenco, no qual ele reiterava, diversas vezes, o "risco de morte súbita" ao qual o jogador estava sendo submetido. E mais: que ele tinha um problema grave no coração, detectado após vários exames. O documento terminava com ele desejando "sorte" ao atleta, pois seguia jogando e corria "grande risco de morte súbita" (veja na foto). Em seu depoimento à polícia, também disse que o São Caetano foi alertado algumas vezes que Serginho poderia falecer se continuasse na profissão.
Paulo Forte até hoje ainda é médico do São Caetano. E também da base da Seleção
(Foto: Fabricio Crepaldi)
Paulo
Forte tem outra versão para esse caso. E a defesa dele diz que um
instituto de perícia avaliou o documento e comprovou que o que estava
escrito lá não era o diagnóstico inicial.- Isso está muito claro dentro de mim. Houve a morte, os médicos do Incor produziram um prontuário e o promotor viu nisso a chance de mostrar o trabalho dele. Não havia necessidade de nada disso, era só esperar o resultado da necrópsia. Eles não precisavam ter produzido provas contra mim. Uma linha de conduta sem a menor necessidade. Hoje eles reconhecem que o Serginho morreu de uma doença que não havia problema algum no início do ano. Estive com os médicos do Incor e eles reconheceram que a morte dele foi uma fatalidade - defendeu-se.
Segundo Forte, após o resultado da necrópsia ele foi procurado pela equipe médica do Incor, e juntos decidiram emitir uma nota classificando a morte como "fatalidade". A reportagem entrou em contato com Bocchi para ouvir a posição dele.
- Você está falando de qual jogador? Não me lembro, você disse que faz 10 anos... São tantos casos que passam pelas nossas mãos todos os dias aqui, assinamos tantos exames, que não tenho condições de falar sobre esse caso específico, não vou poder ajudar. Desculpe-me, mas não me lembro direito desse caso - falou, por telefone.
- Ele não sabia. Ele sabia da arritmia, que o médico falou para ele, mas que ele poderia seguir a vida normal. Só não poderia mais tomar Coca Cola e café, que eram coisas que ele adorava, mas nunca mais tomou. Ele não tinha consciência que poderia acontecer algo grave. E eu tenho certeza absoluta que se ele soubesse disso, não jogaria mais futebol. Em primeiro lugar estavam a família e o filho. Nunca duvidei disso e ele jamais correria esse risco - contou.
- O Serginho morreu de uma doença que não havia sido prevista nos exames. O exame que detecta isso é o ecocardiograma. E, segundo os médicos do Incor, esse exame estava totalmente normal - explicou Forte.
Nada disso convence Rogério Leão Zagallo, promotor do Ministério Público responsável pelo caso. Ele, que indiciou o presidente e o médico do São Caetano por homicídio doloso, afirma que o clube sabia, sim, que Serginho tinha um grave problema (veja mais detalhes abaixo).
o dia da tragédia
Par de chuteira que Serginho usava naquela noite(Foto: Fabricio Crepaldi)
Anna Oliveira da Silva, de 77 anos, mãe de Serginho, descreve assim o que passou naquela noite. Ela assistia ao jogo na cidade de Serra, no Espírito Santo, onde vive até hoje. E pra quem viu a cena de perto, dentro do gramado do Morumbi, o sofrimento não foi diferente.
- Ele estava perto de mim, caído, eu corri pensando que o Grafite tinha dado uma cotovelada nele. Mas vi o olhos do Serginho fechados, fui abrir e vi as retinas viradas, ele bufando, respirando muito forte, fiquei muito preocupado e comecei a gritar. Estava todo mundo desesperado, não tinha ninguém na ambulância, demoraram a chegar. O Anderson Lima lembrou na hora do problema do coração dele. Já estavam fazendo massagem cardíaca, o Serginho deu um suspiro, e eu pensei "acho que ele voltou", mas depois apagou de novo, ficou amarelo. Todo mundo achava que tinha falecido já. No vestiário, recebemos a notícia que ele tinha melhorado. Aí eu, Lúcio Flávio e o Euller fomos ao hospital. Na esquina, recebemos a notícia do morte. Foi muito duro, o Serginho era uma pessoa maravilhosa - contou o ex-goleiro Silvio Luiz.
Serginho caiu aos 14 minutos do segundo tempo, dentro da área de defesa do Azulão. Os médicos dos dois times tentaram reanimá-lo com massagem cardíaca e respiração boca a boca. Os jogadores entraram em desespero, ainda mais depois de saberem que a ambulância que ficava ao lado do campo estava trancada. Ele chegou ao automóvel cerca de três minutos depois, no carro-maca, e ali recebeu o primeiro atendimento. Seguiu para o centro médico do Morumbi, onde até foi reanimado e enviado ao Hospital São Luiz, mas morreu às 22h45, após muitas tentativas de mantê-lo vivo.
- Ele caiu nos pés de um jogador (Grafite) e a ambulância demorou a vir. Se fosse agora, acho que ele seria salvo. Nós nunca passamos por algo daquela maneira que nós passamos - lembra Virgílio Oliveira da Silva, de 78 anos, pai do zagueiro.
O presidente do São Caetano presenciou a última tentativa de reanimar Serginho, já no São Luiz. E não esquece do que viu.
- Era uma sala pequena com muita aparelhagem, os cardiologistas, ele em uma maca e estavam tentando reanimar. Ele voltou algumas vezes, reanimava e apagava depois. Até que não voltou mais. Eu estava lá dentro, vi ele morrendo. Foi muito chocante - lembra Nairo Ferreira.
Nairo Ferreira diante dos troféus conquistados pelo São Caetano
(Foto: Fabricio Crepaldi)
O
dirigente, naquele momento, pegou o par de chuteiras usado por
Serginho. Hoje, eles estão expostos em um quadro, dentro da sala de
troféus do São Caetano, na sede social do clube, acima de duas fotos do
atleta. Em meio às taças e pôsteres da história do clube, ele é o único
com uma homenagem exclusiva no local.- Deve ter até grama do Morumbi ainda aí dentro. Lembro que ele estava com a roupa toda rasgada, peguei as chuteiras e coloquei aqui para homenageá-lo - contou Nairo, que em determinado momento quase chorou ao falar sobre o ídolo da torcida do Azulão.
- O que me marcou mais foi quando perdi as esperanças. Isso foi difícil, quando o médico disse que não tinha mais jeito. Me arrebentou - lembrou Paulo Forte, chorando.
Serginho é retirado de campo na noite em que caiu no gramado,
durante duelo com o São Paulo (Foto: Agência Estado)

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