terça-feira, 1 de maio de 2018
Brasileiro acusa clube de retaliação, tem passaporte retido e fica preso no Sudão
Um dos milhares de profissionais que tentam viver de futebol fora do país, Rodrigo Andrade só quer voltar para casa - no caso: Cairo, no Egito. É lá que estão a esposa e os dois filhos, um garoto de 14 anos e uma menina de nove. Mas o preparador físico de 37 anos teve o passaporte retido pelo seu clube, o Al Hilal, e está preso no Sudão. Segundo ele, uma atitude pura e simplesmente de retaliação dos dirigentes, que não estariam dispostos a pagar os cerca de U$ 25 mil (R$ 87 mil) que devem ao brasileiro. A situação foi parar na Embaixada do Brasil no país e virou um caso diplomático.
Rodrigo foi contratado em janeiro pelo Al Hilal, dono de sete títulos nacionais nos últimos 10 anos e um dos maiores clubes sudaneses. O contrato válido até 2020 previa, entre outras coisas, que a equipe deveria disponibilizar passagens aéreas com destino a Cairo para ele e a família duas vezes por ano. Como mostra a imagem abaixo:
Trecho do contrato que prevê que o clube deve comprar passagens para o preparador. Nota-se a rasura feita no dia da assinatura para que a família dele também fosse contemplada. Ao lado, a assinatura de
a família dele também fosse contemplada. Ao lado, a assinatura de Hassan Ali Eissa, secretário-geral do Al Hilal (Foto: Infografia)
Sem visitar a família desde o início do ano - há quase cinco meses, portanto -, o brasileiro conta que pediu insistentemente para ir a Cairo, mas que o clube desconversava. No dia 21 de abril, sábado retrasado, a esposa sofreu uma crise de pressão alta, mas ele nem assim recebeu autorização para visitá-la.
- Isso me assustou muito. Eu já vinha pedindo para ir para o Egito antes, estava há quatro meses sem ver minha esposa. Ela teve essa crise por vários motivos, mas principalmente por causa da minha ausência. Isso está interferindo na saúde dos meus filhos também, física e psicológica. Ela está bem agora, controlando com remédios. Não foi nada de absurdo, ela não é hipertensa, mas teve essa crise de hipertensão - relatou ele ao GloboEsporte.com.
"Graças a Deus, ela melhorou. Mas meus filhos estão muito alterados, minha esposa pegou meu filho de 14 anos chorando."
Foi então que Rodrigo se negou a viajar para o jogo seguinte e deu início à queda de braço com o clube.
Rodrigo Andrade, preparador físico, vive um drama no Sudão (Foto: Divulgação / Al Hilal)
À agência de notícias "Efe", Fatima al Sadiq, porta-voz do Al Hilal, negou que o passaporte de Rodrigo tenha sido retido e afirmou que o preparador físico foi demitido há vários dias. Inclusive, com as dívidas sanadas. Disse também que o clube decidiu dispensá-lo "por seu mau desempenho" e que o "substituiu por um tunisiano". E declarou, por fim, que as acusações do brasileiro são "mentirosas".
Embaixada do Brasil é acionada
Desesperado, Rodrigo recorreu à Embaixada do Brasil no Sudão. Um passaporte temporário, sem as páginas onde ficam os vistos, foi emitido. Mas o brasileiro descobriu, então, que o clube havia avisado à imigração sudanesa que ele tinha pendências e que estava, portanto, proibido de deixar o país.
Quem explica a situação é José Mauro Costa Couto, embaixador do Brasil no país:
- Nesse caso, eles (o clube) empregaram um recurso bem curioso. Ao contrário da maioria dos países, aqui no Sudão eles têm uma maneira diferente de controlar o movimento de pessoas. As pessoas têm que estar em dia não só na entrada, mas também na saída. Para evitar que pessoas saiam do país tendo cometido crimes ou com alguma dívida, eles recorrem a isso. É uma base de dados, onde eles puxam seu histórico - explicou por telefone ao GloboEsporte.com.
"Quem é o patrocinador dele? O clube. Então o clube pode pedir à imigração que não deixe ele sair porque ele tem uma questão a resolver", completou.
Rodrigo tentou contato com diferentes dirigentes do Al Hilal, inúmeras vezes. Mas não obteve resposta. A princípio, ele diz que abriria mão até do que tinha para receber só para poder voltar para casa, como pode ser visto em uma das mensagens (ignoradas) abaixo.
Rodrigo praticamente implora para um dos dirigentes para ser liberado, diz que não quer dinheiro e que só gostaria de voltar para casa. Mas mensagens não foram respondidas (Foto: Reprodução)
Depois que o caso tomou determinada proporção, no entanto, ele conta que o tom do clube mudou. Um intermediário foi contratado para amarrar as negociações, mas, a pedido do embaixador do Brasil, qualquer tipo de reunião deve ser realizada no prédio da Embaixada.
- Ele (intermediário) me disse que os managers queriam conversar comigo no hotel. Eu respondi que a reunião tinha que ser na Embaixada, que eles não permitiam que eu saísse da Embaixada. E ele disse "mas não tem problema, vai ser algo amigável" e tal. Eu respondi "eu posso até ter cara de bobo, mas não sou bobo, não. Não sou imbecil, não sou idiota. Esses caras vão querer me pressionar, tenho medo até pela minha integridade física, então não vou". E eles também não vieram - disse ele.
O preparador físico decidiu, enfim, comprar a briga. Para dar início a qualquer tipo de negociação, exigiu quatro condições:
Entrega do passaporte.
Uma passagem para Cairo.
Uma carta do clube autorizando o embarque.
US$ 25 mil de ressarcimento por salários atrasados, bônus por vitória, passagens, reembolso de equipamentos e danos morais, por exemplo.
- A postura do governo brasileiro aqui está perfeita. Eu tenho acompanhado de perto, e eles têm sido cada vez mais incisivos, pegando firme no governo sudanês. Agora, aqui dentro, você percebe que eles estão sendo coniventes, alguém forte do clube tem rabo preso com alguém do governo - acredita ele.
Com passagens por alguns clubes brasileiros, entre eles o Vasco, Rodrigo convocou os amigos que fez no futebol para uma campanha. César (goleiro do Flamengo), Victor Bolt (volante ex-Vasco) e Allan (também ex-Vasco) gravaram vídeos em que pedem para o presidente do Al Hilal liberá-lo. Assista:
Jogadores se juntam em campanha para que o Al Hilal libere Rodrigo, preparador físico
- Vamos perseverar, ver mais gente, procurar o Ministério dos Esportes, pessoas cada vez maiores para colocaborar. Vamos contar com a perspectiva de que as pessoas tenham um pouquinho mais de sensibilidade em relação ao cidadão de um país completamente simpático ao Sudão - reiterou o embaixador José Mauro.
- Ele não cometeu nenhum crime. Só porque tem uma pendência não pode ser impedido de sair do país para ver sua família. Não é uma coisa bacana de se fazer - finalizou.
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