segunda-feira, 30 de abril de 2018

Escândalo na ginástica;42 ginastas revelaram ter sofrido abusos cometidos pelo ex-técnico da seleção brasileira Fernando de Carvalho Lopes

O celular não parava de vibrar. Eram centenas de mensagens pulando na tela. “Você viu o que aconteceu nos Estados Unidos?” – era a pergunta que se repetia para Petrix Barbosa, ouro nos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara, em 2011. Larry Nassar, então médico da seleção americana, havia sido preso por ter molestado mais de 360 ginastas, entre elas as campeãs olímpicas Simone Biles e Aly Raisman. O escândalo no esporte americano o fez recordar de uma dor insuportável, que ele tentou por mais de 10 anos retrair e superar. Petrix havia sido abusado durante a infância pelo seu primeiro treinador.

Movido por um sentimento de indignação, e talvez em uma tentativa inconsciente de pedir ajuda, ele recorreu às redes sociais. No dia 16 de janeiro, aproveitou uma publicação do fotógrafo da Confederação Brasileira de Ginástica, Ricardo Bufolin, para desabafar.


“Já pensou se todos os depoimentos no Brasil começarem a aparecer? Os números seriam bem curiosos!!! E todos aqueles que fecharam os olhos e fingiram não saber, ou decidiram fazer piadas... continuariam a se fazer de cegos e fingindo ser politicamente corretos! #prontofalei”.
O comentário de Petrix Barbosa passou despercebido por muita gente. Mas deu início a essa reportagem. Uma investigação que durou quase quatro meses e ouviu mais de 80 pessoas – especialmente ginastas e ex-ginastas. Sendo que 42 delas alegaram ter sido vítimas de algum tipo de abuso fisico, moral ou sexual por Fernando de Carvalho Lopes, técnico que fez carreira no Mesc (Movimento de Expansão Social Católica), clube particular da cidade de São Bernardo do Campo, em São Paulo, e que por dois anos fez parte da comissão técnica da seleção brasileira masculina de ginástica. Ele treinava Diego Hypolito e Caio Souza até ser afastado da equipe olímpica um mês antes dos Jogos Rio 2016, quando foi denunciado por um menor de idade.

Em dois anos, o processo não andou. Mas, aos poucos, foi motivando as vítimas a criarem coragem para quebrar o silêncio. Após anos distantes, muitos voltaram a se falar. E a lembrar do que havia acontecido não só nas dependências do Mesc, mas também fora dali. No início de abril, uma das vítimas criou um grupo no Whatsapp. Atualmente, 11 pessoas fazem parte dele. Outros entravam e saíam. Não queriam reabrir feridas. Sempre que uma nova pessoa era adicionada, o texto abaixo era compartilhado:

O objetivo deste grupo é unir TODOS que treinaram ou participaram da ginástica olímpica no clube MESC ou em São Bernardo com o treinador FERNANDO LOPES para que busquemos justiça pelos atos do mesmo. Os crimes cometidos pelo FERNANDO foram: assédio sexual, assédio moral, estupro de vulneráveis e agressão física. Temos várias pessoas que sofreram todos esses crimes e o foco aqui é fazer justiça, pois temos vários que relataram que foram abusados sexualmente. Se vocês conhecerem alguém mais que pode contribuir a fazer justiça, por favor nos ajudem. Nós queremos fazer a justiça para todos, inclusive os que não se encontram mais entre nós, nosso grande amigo e irmão D.S. Essa é nossa chance, vamos fazer o que é justo. Se você passou por alguma coisa, ajude nós a conseguir essa justiça. Vale lembrar que ninguém será exposto, identificado, divulgado, etc, o processo corre em sigilo absoluto na justiça, e só as partes interessadas (nós) temos acesso ao mesmo.


Fernando de Carvalho Lopes, técnico acusado de abusos / foto: Ricardo Bufolin
Durante a apuração desta reportagem, as vítimas fizeram acusações como assédio moral, agressão física e, especialmente, abuso sexual – crimes que foram praticados sistematicamente durante pelo menos 15 anos. O primeiro relato de abuso é de 2001. O último de 2016. As vítimas são de diferentes gerações da ginástica. Por motivos pessoais, a maioria delas prefere não se identificar, nem mostrar o rosto publicamente. As lembranças são de uma época marcada pelo sofrimento. Mas um deles não quer ficar mais no anonimato.

- O que mais fazia comigo era todo dia tentar molestar, esse sufoco, essa pressão psicológica para um moleque de 10 anos. Banho junto, espiar. Dormir na cama comigo quando eu não queria. Já acordei com ele, não sei quantas vezes, com a mão na minha calça e eu conseguia tirar e dormir porque eu não ficava parado. Teve gente que não conseguiu ter as mesmas reações que eu. E eu não quero que aconteça mais – disse Petrix Barbosa, uma das vítimas mais famosas de Fernando de Carvalho Lopes, que falou abertamente pela primeira vez sobre os abusos que sofreu.

PETRIX E A CORAGEM
DE ENCARAR O PASSADO
Quando Petrix Barbosa decidiu dar a entrevista para essa reportagem, ele logo avisou. “Vou mostrar meu rosto”. Para quem convive com este ginasta de 26 anos, o ato de coragem não surpreende. Era o momento de desabafar, o momento de revelar sobre o passado doloroso depois de tanto tempo.

Mas até o momento da gravação via internet na última quarta-feira ele ainda não havia contado para os pais sobre o que passou. Morando em Miami, onde treina atualmente, Petrix Barbosa precisou ainda de alguns dias para ter a conversa com a família. Medalha de ouro no Pan de Guadalajara em 2011 e figura constante dentro da seleção brasileira de ginástica, ele conta que é um sobrevivente de abuso sexual na infância. Entre as 40 vítimas localizadas pela nossa reportagem, Petrix é um dos que mais teve sucesso no esporte, mas também um dos que mais relata casos de sofrimento e perseguição nas mãos do técnico Fernando de Carvalho Lopes.


Petrix Barbosa, ginasta que acusa o técnico / foto: Ricardo Bufolin
— Eu era o queridinho. Ele tinha uma paixão por mim que eu nunca soube explicar. E todos viam e sabiam disso.

A trajetória de Petrix Barbosa na ginástica começou aos 7 anos, no Mesc. Foi levado pela irmã, que já treinava no clube. Começou a tentar imitá-la e chamou a atenção de Fernando. Foi, então, convidado para fazer um teste no dia seguinte. Na mesma “peneira” estava outro nome importante da ginástica brasileira masculina, Sérgio Sasaki, que virou um amigo para toda a vida.

— Começamos a ginástica juntos ali. Fernando foi nosso primeiro treinador, e o Mesc meu primeiro clube, e nós nos tornamos imbatíveis na base. Ganhávamos tudo – lembra.

Segundo Petrix Barbosa, o comportamento de Fernando com ele começou a mudar três anos depois, quando ele estava com 10 anos. Ele já era visto como uma das principais promessas da ginástica. Mas os resultados excelentes na infância escondiam uma dor imensa.

— Todos os dias era uma briga porque ele dizia que esbarrava no nosso pênis. E eu falava... não existe esbarrar, p... Mais uma vez? Não é possível. Eu sabia que era errado, e aí, cada vez mais, ele foi buscando maneiras de entrar nessa situação – relembra o ginasta.

Petrix foi dez vezes campeão brasileiro e perdeu as contas dos títulos paulistas. Por isso, estava sempre viajando para participar de competições. Nelas, o ginasta lembra que era sufocante a obsessão de Fernando.

— Toda vez que eu ia dormir, na casa dele ou no hotel, ele queria dormir comigo na cama, mas aí eu ia dormir no chão. E ele falava: “não, fulano vai para o chão e o Petrix vai dormir na cama comigo”. Todo mundo me olhava, e às vezes tentavam me tirar, mas ele não deixava. Era uma coisa comigo, e eu ficava sufocado, sufocado, sufocado”.

Uma outra vítima, que conviveu com Petrix no Mesc na mesma época e que também diz ter sido molestada, lembra a fixação de Fernando pelo companheiro de ginástica.

— Com certeza (o Petrix foi o que mais sofreu). Hoje eu vejo tudo o que aconteceu e não tem como não se sentir ofendido vendo e sabendo de tudo o que ele fez com o próprio Petrix. Teve uma competição que a gente foi. E na madrugada eu acordei porque tava com sede. Acordei outro atleta para ir comigo porque tinha medo. Era escuro. E quando eu levantei, dei de cara com a cama e o Fernando deitado com o Petrix – conta a vítima B, que desistiu do esporte aos 17 por não suportar os abusos.

Petrix não entendia a relação que Fernando tinha com ele.

— Eu sabia que essa perseguição não era normal. Uma hora eu falei: “não aguento mais, preciso sair daqui”. Os boatos corriam em outros clubes. E eu falava, vou correr daqui o mais rápido que eu puder, porque eu já não aguento”.

Embora os resultados estivessem aparecendo, Pétrix não conseguia ser uma criança feliz. Por diversas vezes chorou desesperado e sozinho, com a certeza de que não podia mais continuar a viver daquela maneira. E não dividia com a família o que estava vivendo.

— Eu pensava... Acho que o que estou fazendo é errado. Se eu contar para a minha família, eles podem fazer algo pior. Sempre tentei proteger a minha família de saber, de como ele tentava se aproximar. Ele nunca chegou a nada mais factível porque não teve tempo. Porque eu conseguia realizar a tempo e fugir. E eu sabia dos boatos, de meninos de orfanato, que eram meus amigos, e tinham o mesmo problema. Mas como que eu podia fazer alguma coisa? Não sabia o que fazer”.

Aos 13 anos, Petrix Barbosa resolveu deixar São Bernardo. Não conseguia mais conviver com tudo aquilo. Na época, Fernando já despontava como um dos técnicos mais prestigiados da base da ginástica brasileira.

— Eu sei de muitas outras coisas que aconteceram, ainda mais absurdas, pior do que comigo. Talvez se eu tivesse ficado mais tempo teria acontecido comigo, sem dúvidas. Até onde eu permitisse, ou até onde eu não cometesse uma loucura como outros chegaram a fazer. Até minha família, meu pai, minha mãe.

Durante seis anos, Petrix Barbosa sofreu para se manter firme. Mas conseguiu seguir em frente. Um resultado histórico então aconteceu. Em 2011, com a seleção brasileira, o ginasta foi campeão por equipes nos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara. No ano seguinte, não conseguiu a classificação olímpica por equipe com a seleção, mas ficou como reserva em Londres de Sérgio Sasaki, que disputou a competição no individual geral.

O sonho de disputar uma Olimpíada havia sido adiado para o Rio. Petrix treinava no Flamengo. Estava evoluindo ainda mais. Tinha ao seu lado Diego Hypolito, Sérgio Sasaki e Caio Souza. Mas em maio de 2013, o projeto rubro-negro terminou. Eles fizeram um pacto. Encontrariam um novo clube juntos. No ano seguinte apareceu uma boa oportunidade – São Bernardo havia conseguido levantar um investimento para construir uma nova equipe de ginástica. Só tinha um problema – o técnico era Fernando de Carvalho Lopes.

— Eu nunca treinaria com ele novamente. Mas não podia explicar os motivos reais da minha decisão. Mais uma vez tive que sofrer sozinho, mas continuei firme com o meu objetivo. Diego e Caio aceitaram, eu não tinha como fazer isso.

Sem clube, foi treinar “de favor” ao lado do técnico Renato Araújo, com foco do Mundial de 2014, na China. Petrix estava voando. No dia 16 de março de 2014 conquistou a medalha de prata na barra fixa na etapa da Copa do Mundo da Alemanha. Mas acabou cortado do Mundial porque lesionou a coluna. Ele fazia parte da seleção e tinha grandes chances de chegar aos Jogos Rio 2016. Mas aí levou um novo golpe.

Fernando passou a fazer parte da comissão técnica da seleção brasileira masculina de ginástica. Estar na seleção naquela altura já não era tão prazeroso. Petrix conta que era extremamente difícil competir ao lado dele, por todas as lembranças que ele tinha.

— Ele já me disse pessoalmente que, nas reuniões de treinadores, ele era o primeiro a não me defender ou votar por mim. Ele já chegou, meses antes da Olimpíada, a dizer que me via abandonado (nos treinos). Só para me abalar antes da Olimpíada. Que me via no treino sozinho e que tinha dó de mim. E foi aí que, com 25 anos, que eu falei pela primeira vez que não precisava que ninguém sentisse dó de mim. Eu disse que era eu que tinha de ter dó dele, porque ele sabia o que tinha feito quando eu era pequeno, com outras crianças. E ele falou: “Ah, Petrix, eu sou casado, tenho dois filhos”. Eu falei: “isso não significa nada, quando eu denunciar na polícia, eles vão acreditar no que eu falar ou que você tem filho e é casado? Mas não me responde, Fernando. Fica calado e vamos continuar esse almoço”.

Petrix lembra do dia que surgiu a notícia da denuncia de abuso feita contra Fernando.

— Eu acordei com todo mundo me ligando. Porque todo mundo associa a mim, sabe desse caso. Todo mundo achou que talvez pudesse ter sido eu a fazer a denúncia. Resumindo... Eu estou engasgado a vida inteira com essa situação. E hoje vemos a magnitude, que talvez seja ainda maior desse caso. Todos os abusos dele. E chega. Tem de ter um basta nisso.

Abalado com a presença de Fernando na seleção, Petrix caiu de rendimento e não conseguiu fazer parte da equipe que representou o Brasil na Olimpíada do Rio. Novamente entrou em um período de se reencontrar. Parou em Miami, nos Estados Unidos, após aceitar um convite do cubano Yin Alvarez, técnico campeão olímpico que há anos o observava em competições na infância. Em março desse ano, o brasileiro foi convidado para participar do circuito francês de ginástica, e foi bem – se garantiu nas finais que acontecem em junho.

— Eu ainda vou conquistar a minha medalha olímpica. É um sonho e ninguém vai tirar isso de mim.

Petrix Barbosa ainda não procurou as autoridades para denunciar os abusos sofridos por Fernando de Carvalho Lopes. Mas após revelar publicamente – e para a família – todo o trauma que passou, promete fazer isso quando voltar ao Brasil.

A DENÚNCIA QUE TROUXE
O CASO À TONA
A maior parte dos abusos aconteceu no Mesc. Mas a descoberta ocorreu em outro ginásio da cidade, onde a seleção brasileira de ginástica fazia a preparação para os Jogos Olímpicos do Rio. E tudo começou com uma piada que jamais deveria ter sido motivo de brincadeira.

Era uma tarde normal de treino no Centro de Ginástica Marcel Francisco dos Santos em São Bernardo. O ginásio estava repleto de ginastas de várias idades, inspirados nos ídolos da seleção principal que treinavam ali, no mesmo espaço. O momento era histórico - pela primeira vez o Brasil havia classificado a equipe completa para competir. Fernando de Carvalho Lopes chegaria de uma viagem com seus dois atletas da elite, Diego Hypólito e Caio Souza, no dia seguinte. O retorno motivou um dos ginastas mais velhos a fazer o que ele pensava ser somente uma piada antiga.

“Galera, vamos nos preparar aí porque o Fernando vai querer olhar nosso pênis para ver se nasceu pelinho no saco para poder aumentar a intensidade do treino, hein?”.

Nessa hora, alguns riram. Outros não. E um menino de 13 anos resmungou com ódio.

“Esse cara é um babaca”.

Todos ficaram em silêncio. Afinal, era para ser engraçado. Aparentemente, e por vários anos, comentar as atitudes de Fernando pelos corredores da ginástica era motivo de brincadeira. Principalmente por quem não sofria com os abusos. Diziam que ele tinha “uma fama”, mas nada jamais foi levado a sério. A reação do menor chamou a atenção de todos, especialmente do autor da piada, que o levou para um outro ambiente para perguntar se alguma vez o treinador havia realmente pedido para ver seus órgãos genitais. Depois de muita insistência, ele admitiu que estava sendo abusado sexualmente há anos. Não, não era uma piada.

André Altemeyer, que era auxiliar de Fernando em São Bernardo, ouviu a conversa e imediatamente acionou Ivonete Fagundes, coordenadora de ginástica da prefeitura da cidade. E os pais do menor foram chamados para uma conversa difícil.

“A hora que você descobre que um filho seu passa por isso, nossa. Eu me culpo. Eu me sinto culpado por não ter percebido” – contou o pai do menor, que foi treinado por Fernando dos 9 aos 13 anos.

Em choque, o pai lembrou que em abril de 2014 autorizou Fernando a levar o filho para um evento da CBG em Aracaju, onde fica a sede da entidade. O menino, que na época tinha apenas 10 anos, foi convidado pelo treinador para fazer “demonstrações de treinamento” e ficaram hospedados no mesmo quarto. Ali, o técnico teria pedido para o menor tomar banho de porta aberta, ficar nu na frente do espelho e também teria tocado seus órgãos genitais. Foi um sofrimento recordar essa viagem. Então, ele decidiu que era preciso descobrir se o seu filho era a única vítima.

“Eu saí perguntando mesmo, e descobri que havia acontecido com vários. Os moleques tinham medo. Eu estava pedindo ajuda a todos para irem depor, todos que sofreram. Da época do meu filho, todos infelizmente pararam a ginástica. Eu questionei muito o meu filho. Perguntei: Por que não me contou antes? E ele me explicou que achava que eu gostava do Fernando. Mas não era isso! Eu pensava só que ele era um bom técnico, eu fui enganado, como muita gente também foi”, explica.

No dia 8 de junho de 2016, eles procuraram a polícia para abrir uma notícia crime. O depoimento foi colhido pelo promotor Maximiliano Rosso, no Ministério Público da cidade - hoje está nas mãos do promotor Luis Marcelo Mileo. Foi o início da investigação que em dois anos não avançou. Em sua denúncia, o menor relata em detalhes o comportamento do treinador. Ele diz que Fernando de Carvalho Lopes “passou a perguntar se ele havia entrado na puberdade ou se já tinha pelos na região do pênis, porque dizia que a informação era necessária para mudar o treino”. Em outra parte do depoimento, a vítima afirma que o treinador “tocava com frequência seus órgãos genitais”, e que durante um exercício de flexibilidade, ele “enfiou a mão em seu calção e retirou seu pênis para fora”.

O processo chegou até a Confederação Brasileira de Ginástica e ao Comitê Olímpico do Brasil e gerou o afastamento de Fernando da seleção brasileira de ginástica no dia 14 de julho, praticamente um mês antes dos Jogos Rio 2016.

— Quando soube, fiquei preocupado. E eu me senti na obrigação de na mesma hora entrar em contato com o Comitê Olímpico Brasileiro. Porque a gente estava treinando em São Bernardo e era reta final de treinamento para a Olimpíada. E precisava blindar os atletas – lembra Renato Araújo, que na época era o treinador-chefe da seleção brasileiro de ginástica.

MODO DE AGIR
Segundo as vítimas, Fernando tinha um comportamento que se repetia. Uma das lembranças mais marcantes era o pedido insistente do treinador para olhar os órgãos genitais para saber como estava o desenvolvimento do corpo de cada um para mudar os treinamentos. E também para os ginastas se masturbarem na frente dele.

— A gente ia ao banheiro, ele ia atrás e pedia pra ver. Eu preciso saber se você está desenvolvendo hormônios pra gente trocar seu treino – lembra a vítima B.

— Mandava um embora mais cedo para entrar no banheiro. Já chegou a pedir pra eu me masturbar na frente dele. Já tentou pegar no meu pênis. Já pegou, não posso mentir – lembra a vítima C.

Uma “salinha” no Mesc também era usada por Fernando. Neste caso, segundo as vítimas, ele chamava individualmente cada uma.

— Ele pedia pra gente ir na salinha dele. Que só podia entrar ele. Só podia entrar lá com ele. E lá ele ficava perguntando se a gente já se masturbava, pedia para ficar fazendo na frente dele. Mas ele falava: “Não, você tem de virar para frente”. Ele ficava olhando nossas partes íntimas. E ficava pedindo para tocar no nosso pênis – disse a Vítima C.

A sauna também gerava medo nos atletas.

— A sauna era um negócio muito marcante para mim. Só que a gente só podia ir à sauna se fosse pelado. E isso me incomodava muito, e eu resisti muitas vezes em ir na sauna – disse a vítima D.

Mas o que mais incomodava a todas as vítimas era a maneira como Fernando agia nos treinos. Segundo elas, ele tocava de forma desnecessária em suas partes íntimas.

— Ele ajudava a gente tocando a genitália, o órgão sexual. Eu achava aquilo muito estranho e depois eu treinei com dois outros técnicos que nunca fizeram isso, nunca fizeram isso. Voltei a treinar com o Fernando e ele continuava fazendo – disse a Vítima B

— Durante os nossos treinamentos, muito frequentemente, ele tocava nas nossas partes íntimas. E não era algo que ele fazia sem saber porque a gente conversava com ele, a gente marcava reunião para falar com ele para ele parar de fazer. E ele justificava dizendo que era assim que ele tinha que ajudar, que assim ele dava mais segurança, que assim era melhor. Mas a gente falava que não queria e ainda assim ele continuava. Foram alguns momentos conturbados – relata a Vítima D.

A ginástica é um esporte complexo tecnicamente. Por esse motivo, a participação do treinador é intensa no momento do aprendizado, até pela própria segurança da criança. O toque é comum – nas costas, nas pernas, na barriga – para evitar uma queda e garantir que o atleta aprenda corretamente a executar um movimento. É o que explica Marcelo Araújo, ex-ginasta e que hoje atua como técnico em Connecticut, cidade vizinha a Nova York, nos Estados Unidos.

— A ginástica é um esporte que você tem rotações. Às vezes, você vai ajudar a criança, ela tá girando no alto. E ela vai cair também. Você vai ter de ajudar e salvar essa criança. Apertar a perna é uma coisa. Estender o seu braço é uma coisa. Agora, apertar o seu bumbum é uma coisa que não precisa tocar. Na área genital, você não precisa tocar de jeito nenhum - disse.

A maioria das vítimas possui um perfil parecido. Geralmente, eram atletas mais jovens e tímidos. Vários humildes financeiramente. Também se repete outra característica – muitos dos meninos não tinham os pais presentes. Dois deles, inclusive, deixaram um orfanato em São Bernardo para morar na mesma casa que o treinador, que na época ainda dividia residência com os pais. Segundo as vítimas, Fernando buscava ter uma relação próxima com quem treinava. Ia a aniversários, oferecia a casa para as crianças dormirem, marcava viagens com os grupos de alunos. Uma casa em Visconde de Mauá era um dos lugares preferidos.

— Eu adorava viajar para lá, éramos crianças! Mas nunca ia sozinho, apesar da insistência dele para isso acontecer. Lá vários meninos sofreram abusos alternados – lembra Petrix Barbosa

Nestes momentos, fora dos treinos e em um clima mais informal, segundo as vítimas vários abusos eram cometidos.

— Eu fingi que continuei dormindo. Só que ele aí foi abaixando cada vez mais e começou a acariciar o meu pênis enquanto eu dormia. E eu não soube o que fazer – lembra a Vítima A sobre uma noite que dormiu na casa de Fernando.

— Estávamos em Miami (para uma competição). É uma das lembranças mais fortes. Ele falou para eu tomar um banho de banheira para relaxar. Eu falei tudo bem, tomei o banho. De repente, ele entra no banho. Entra na banheira, como se fossem duas crianças para entrar ali, porque queria brincar. Coisas que não têm fundamento – revela Petrix Barbosa.

Para ajudar no trabalho mental dos atletas, uma psicóloga foi chamada pelo Mesc: Thais Coppini. A atual diretoria do clube não soube dizer se ela foi funcionária no passado, mas, segundo o relato dos atletas, era com ela que eles se consultavam para desabafar sobre os treinos rigorosos de Fernando de Carvalho Lopes. Procurada, a psicóloga disse que “nunca chegou até ela denúncias de abuso ou assédio sexual”.

— Trabalhei com os atletas e, neste tempo, nunca presenciei as agressões. Os pais dos atletas me comunicavam por telefone. Sendo assim, marcávamos uma reunião para esclarecer. Antes disso, eu conversava com o técnico, que desmentia o fato ocorrido. Então, os pais tomavam a decisão de tirar os filhos da equipe. Quanto ao abuso ou ao assédio sexual do técnico Fernando em relação aos atletas, nunca chegou até mim.

Procurado pela reportagem, Fernando de Carvalho Lopes, por telefone, negou as acusações:

— Nunca fui um técnico legal. Eu fui um técnico sempre muito rigoroso, às vezes até demais. E acho que por outro lado eu tive um problema de ser um cara que muitas vezes misturei, de achar que eu era mais do que um técnico. Acho que eu podia ser um amigo, podia ser um pai, que podia ser qualquer outra coisa. Então, isso talvez tenha dado uma margem de interpretação errada para cada um deles. Mas a ponto desse tipo de acusação, eu não tenho o que falar, eu acho que eles vão ter que provar. Eu sei que eu tenho minha consciência limpa no que diz respeito que eu nunca estuprei, que eu nunca molestei ninguém, num intuito como está sendo colocado, entendeu? – disse.

Por orientação de Fernando de Carvalho Lopes, também procuramos o seu advogado Luis Ricardo Vasques Davanzo, que preferiu não gravar entrevista. Disse, por mensagem, que o caso está em andamento e que o Ministério Público pediu que uma dezena de pessoas preste depoimento.

O Mesc falou que “não vai se manifestar sobre as acusações contra Fernando”, que “não recebeu qualquer reclamação de pais de alunos quanto ao comportamento do treinador”, e que “hoje ele exerce função administrativa no clube”.

BULLYING NO REFÚGIO EM SÃO CAETANO
Visto como um dos polos da ginástica do Brasil nas duas últimas décadas, São Bernardo viu várias jovens promessas abandonarem a ginástica.

— Hoje em dia eu tenho ranço da ginástica. Eu não consigo assistir. Eu tenho raiva – disse a vítima C.

Alguns tentaram seguir para São Caetano do Sul, outro forte centro de treinamento em São Paulo. Mas passaram a enfrentar outro drama. Escutavam piadas e não conseguiam esquecer o passado. Um dos treinadores era Marcos Goto, coordenador técnico da seleção brasileira de ginástica.

— Todo mundo que saía de São Bernardo sofria um bullying. E era muito difícil ficar ouvindo isso, essas piadas, porque só eu sei o que aconteceu, só eu sabia o que acontecia. O martírio não tinha terminado. Achei que tinha acabado quando eu tinha saído de São Bernardo, mas as piadas continuavam - disse a Vítima A.

Quem eram os técnicos que faziam esse tipo de piada?, perguntou a repórter Joanna de Assis.

— Era o Marcos. O Marcos Goto que fazia. Os auxiliares testemunhavam isso. Todos testemunhavam porque a piada era feita abertamente. Ficava constrangido de ouvir isso. Saber que eu passei por isso e continuar sofrendo piada na frente de todo mundo era doloroso – disse a Vítima A.

— Quando mudei para São Caetano, todos os técnicos sabiam. Os técnicos todos faziam piadas. Uma piada ou outra alguns faziam. Mas o Marcos (Goto) chacoteava bastante. Ele chacoteou bastante as pessoas. Por que em vez de fazer piada, ele não fez alguma coisa para ajudar? – disse a vítima C.

Marcelo Araújo, que na época era ginasta, nunca foi treinado por Fernando, mas se lembra das inúmeras piadas que ouviu sobre o assunto. Ele fazia parte do time de São Caetano comandado por Marcos Goto.

“Hoje eu sou adulto, tenho 31 anos, mas na época era um moleque, e brincávamos, não achávamos que era um crime, sentar no colo do Fernando, receber esses carinhos estranhos, não tínhamos noção, não tinha idéia de que ele estava molestando os meninos. Mas eu digo a você que todos os treinadores sabiam disso, e ninguém jamais tomou alguma atitude”.

Marcos Goto não quis se manifestar. Consultor jurídico da Confederação Brasileira de Ginástica, Paulo Schmitt disse que a CBG "jamais teve notícia de fatos relacionados como esses que vocês tiveram, até porque, se tivéssemos tido, teríamos encaminhado para as autoridades competentes o que não estivesse sob nossa jurisdição”. Paulo Schmidt também comentou que estranha os depoimentos referentes a Marcos Goto já que ele tem atitudes diferentes nas reuniões de diretoria

— Não especificamente em relação a isso, mas nós fizemos reuniões de diretoria com o Marcos Goto e, ao contrário, ele se manifestou bastante irresignado, muito radical do ponto de vista disciplinar, então eu me surpreenderia nesses fatos, acho que a gente tem de tratá-los com a devida cautela, muito rigor. Nas palestras que estamos proferindo e estudando com profundidade o tema, inclusive com o MP do Trabalho, existem essas duas vertentes: um trabalho muito importante de acolhimento dos depoimentos e das denúncias, onde as pessoas se sintam bastante confortáveis para poder fazer isso, sem medo de retaliação, e órgãos de ouvidoria e canal de comunicação com as entidades, e por outro lado um trabalho bastante técnico de filtro dessas declarações. Então, é muito importante fazer. Com relação ao técnico (Marcos Goto), nas reuniões que eu tive foi realmente no sentido oposto, postura bastante rigorosa, no sentido de intolerância a qualquer questão indisciplinar.

O vice presidente do COB, Marco Antônio La Porta, se manifestou.

— Dentro dos parâmetros que o COB tem feito de modernização de sua estrutura, de sua governança, nós criamos um canal de ouvidoria que vai estar disponível no final de maio, que vai estar aberto a todo público, então através desse canal de ouvidoria, qualquer um pode fazer a denúncia.

A polícia não sabe dizer quando a investigação, que já se estende por dois anos, será concluída.

DEPOIMENTOS
Durante os quase quatro meses de investigações, descobrimos 42 vítimas de abuso físico, moral ou sexual. Abaixo, reproduzimos parte do depoimento de cinco delas à nossa reportagem. São depoimentos fortes, onde elas relatam o que passaram e como tentaram seguir em frente.

Alerta!
OS DEPOIMENTOS SÃO FORTES
Vítima A - 23 anos
“Comecei com 6 anos de idade. Ele me chamou para treinar em São Bernardo do Campo, lá no Clube Mesc, que é onde ele dava treino para o que eles falavam que eram os melhores. (...) Gostava muito de treinar. Sempre tive vontade de competir e tudo mais. (...) Além de cometer abusos de assédio moral, ele também praticou abusos sexuais contra mim. (...) Enquanto ele auxiliava a gente nos exercícios, nitidamente dava pra ver que ele ajudava errado só pra encostar nas nossas partes íntimas.”

“Quando a gente recebia uniforme novo, ele fazia a gente se trocar na frente dele. (...) Depois chamava a gente, um por um, pra ver se a roupa ficou boa. E ai, ele passava a mão perto e encostava nas partes intimas com a desculpa de que tava vendo se o elástico não tava pressionando porque tinha que ficar folgado, com o objetivo de passar a mão e encostar nas partes intimas.”

Todos os atletas morriam de medo dele, inclusive eu, e na época eu não tive coragem de falar nada.
“Aconteceu de fato o primeiro abuso sexual pelo Fernando quando eu dormi na casa dele, porque não consegui voltar pra casa naquele dia, era menor de idade, não dirigia e morava a 30km do local então meu pai não pode me buscar naquele dia. (...) Enquanto estava dormindo, o Fernando começou a fazer carinho, acariciar a região do meu abdômen, como se fosse um carinho pra eu pegar no sono. Mas eu já estava dormindo. (...) Ele começou a fazer o carinho cada vez mais baixo, perto da região intima. Só que eu me assustei. Eu fingi que continuei dormindo. Só que aí ele foi abaixando cada vez mais e começou a acariciar o meu pênis enquanto eu dormia. E eu não soube o que fazer. Eu não sabia se eu acordava na hora e perguntava o que estava acontecendo. Mas na hora, eu fiquei tão assustado e eu já tinha medo porque ele era muito autoritário, gritava.”

“(...) Todos os atletas morriam de medo dele, inclusive eu, e na época eu não tive coragem de falar nada. (...) Isso aconteceu diversas vezes. Mais de 15 vezes. Precisava dormir na casa dele por não conseguir voltar pra casa e ele se aproveitava enquanto eu estava dormindo pra me molestar. (...) E aconteceu quando eu tinha 8 anos, 9, 10, 11, 12. (...) A última vez, depois de uma competição. Ele falou assim: "se você confia em mim, então me mostra". Eu falei: "me mostra o quê?" "Me mostra o seu pênis". Aí eu falei: "não vou mostrar, não tem porque mostrar". Aí, nitidamente ele se alterou, ficou nervoso. (...) Tava sentado, levantou. "Por que que você não vai mostrar?" (...) Começou a falar gritando. Falei: "não vou mostrar." E ele já gritou: "vai embora". Mandou eu sair. Essa foi a ultima vez que ele tentou.”

“Já não aguentava mais sofrer abusos e já estava mais ciente, já tinha mais coragem de enfrentar ele. (...) Eu já não era mais o queridinho dele no treino e ele começava a dar atenção mais para outros atletas que também foram vitimas do abuso. Pegava os mais novos pra abusar. (...) É algo que você fica sem saber como agir. Porque ele é um monstro. Você é uma criança. Ele tem o dobro do seu tamanho. Grita. Bate.”

“(Ele) ficou inconformado que eu tava recusando de me despir na frente dele, eu fui pro banheiro e ele foi nervoso atrás e já tirou o uniforme da minha mão. Começou a gritar comigo, me empurrou, começou a mexer na minha mala pra pegar o que a gente ganhou de volta. Foi ai que eu explodi. E também parti pra cima dele, dando pontapé, chorando, gritando. (...) Depois disso eu sai e nunca mais voltei. Aí eu quis abandonar de vez tudo do esporte. (...) Porque o esporte parou de ser um esporte, passou a ser uma tortura com o Fernando. (...) Minha rotina era um inferno. Todo dia eu ia para aquele lugar sofrer. Meus pais não sabiam. Eu nunca tive coragem de contar também.”

Hoje eu quero mais do que tudo que ele seja punido pelo que ele fez. Porque eu não tinha consciência do que que era. E ele se aproveitou disso, cometeu um crime gravíssimo.
“(...) Todo mundo que saia de São Bernardo sofria um bullying. O treinador falava. "É não tá gostando, aqui é melhor do que lá, né? Lá eles pegando no seu pinto. Aqui não tem essas coisas". E era muito difícil ficar ouvindo isso, essas piadas, porque só eu sei o que aconteceu, só eu sabia o que acontecia. O martírio não tinha terminado. Achei que tinha acabado quando eu tinha saído de São Bernardo, mas as piadas continuavam. (Quem eram os técnicos que faziam esse tipo de piada?) Era o Marcos. O Marcos Goto que fazia. (...) Os auxiliares testemunhavam isso. Todos testemunhavam porque a piada era feita abertamente. Ficava constrangido de ouvir isso. Saber que eu passei por isso e continuar sofrendo piada na frente de todo mundo era doloroso.”

“Faltou essa coragem minha de ter falado. Então fiquei desde os 13 anos até os 23. Fiquei 10 anos com isso na cabeça, como um segredo pessoal e quando contei pela primeira vez foi tirar um peso das costas muito grande. Foi difícil. Mas eu consegui. Quando fiquei sabendo que não era o único, isso me deu vontade de se unir com o pessoal que sofreu também e contar por que... Hoje eu quero mais do que tudo que ele seja punido pelo que ele fez. Porque eu não tinha consciência do que que era. E ele se aproveitou disso, cometeu um crime gravíssimo.”

“(...) Resolvi agora enfrentar isso. Eu consegui superar isso. Nunca vou esquecer do que aconteceu, mas sei lidar com o que aconteceu. Hoje consigo ter a maturidade de ver que não fiz nada de errado. Quem fez foi ele.”

Vítima B - 26 ANOS
“Com 5 anos, entrei pra ginastica e fui até os 17. (…) Uma amiga me levou para o Mesc. (…) Foram 12 anos com o Fernando. (…) É muito difícil começar a lembrar disso porque já estava tudo acomodado. Fernando deu privilégios, mas as decepções foram maiores que os privilégios. Ele me deu uma bolsa de estudos. Hoje sou formado no ensino médio em um dos melhores colégios particulares de São Bernardo.”

“Quando eu decidi parar a ginastica, meus pais estavam se divorciando e eu tenho quase que plena certeza de que ele fez isso pra continuar próximo a mim. Então, ele me dando uma bolsa de estudo seria uma forma dele me ter do lado dele. Uma troca de favores, digamos. Para eu ter uma dívida de gratidão. Foi no momento em que eu comecei a ter a consciência plena do que aconteceria que ele fez isso. Ele foi muito esperto porque ele me pegou em um momento de fraqueza psicológica. (…) Nessa época minhas notas despencaram. Foi onde eu comecei a ficar de recuperação no colégio. Ele viu que estava frágil psicologicamente. (…) Por muito tempo foi uma coisa que me atormentou porque eu nunca tinha falado nada com ninguém sobre isso. Nem com os meus pais. (…) Eu quis deixar isso de lado e pensei "eu preciso viver". (…) Justiça, com certeza, é que a gente mais quer. Porque não foi só um. A gente sabe disso. É nítido, é claro tudo o que ele fazia.”

Achava aquilo muito estranho e depois eu treinei com dois outros técnicos que nunca fizeram isso, nunca fizeram isso
“Tudo começou quando eu tinha 9 anos. Quando a gente começou a treinar de manhã e à noite. 10 anos. Tinha 10 anos. (...) E a gente almoçava no clube e nesse período depois do almoço a gente tomava banho para ir ao colégio à tarde e ele sempre, sempre seguia a gente até o banheiro pra poder, para querer ver a gente. Começou assim. E depois nos exercícios, ele ajudava a gente tocando a genitália, o órgão sexual. Eu achava aquilo muito estranho e depois eu treinei com dois outros técnicos que nunca fizeram isso, nunca fizeram isso. Voltei a treinar com o Fernando e ele continuava fazendo. (…) Aí, a gente começou a viajar pra competições e ele sempre queria estar sozinho com um no quarto. (…) Graças a Deus, não (fiquei com ele sozinho no quarto). O Petrix (era quem mais ficava sozinho com ele no quarto). Com certeza, com certeza (Petrix foi o que mais sofreu). Hoje eu vejo tudo o que aconteceu e não tem como não se sentir ofendido vendo e sabendo de tudo o que ele fez com o próprio Petrix.”

“Teve uma competição que a gente foi. E na madrugada eu acordei porque tava com sede. Acordei outro atleta para ir comigo porque tinha medo. Era escuro. E quando eu levantei, dei de cara com a cama e o Fernando deitado com o Petrix. Essa cena nunca vai sair da minha mente. Nunca. (…) Ele pedia diariamente (para ver nossos órgãos sexuais). Ele pedia diariamente. Mas não diariamente para o mesmo atleta. (…) A gente ia ao banheiro, ele ia atrás e pedia pra ver. Eu preciso saber se você está desenvolvendo hormônios pra gente trocar seu treino. E na parte de flexibilidade, principalmente, ele tocava muito o órgão sexual e falava: isso aqui é pra não perder flexibilidade. Dizendo que ajudava. (…) Diria que em 99,9% dos treinamentos. O outro 0,1%, ele não fazia porque minha mãe chegava antes pra ir me buscar no treino. (…)”

Graças a Deus minha noiva aceita super numa boa. Ela me apoia muito a dar a cara a tapa.
“Tivemos outros técnicos que sabiam. Comentávamos com eles e eles não faziam nada. Nós tínhamos um tratamento psicológico. (…) Ela (Thaís Copini) era nossa psicóloga. Era ela que nós tínhamos como amparo psicológico. Então naquele meu momento de fraqueza psicológica, pra quem que eu ia correr? Pra ela. E ela sabia de tudo. O que que ela fez? Ela contou pra ele. O que que ele ia fazer? Diminuir a frequência. Ele ia diminuir a frequência do ele fazia comigo. (…) Eu não sabia o que que tava certo, o que que tava errado. (…)”

“Quando a gente caia da barra, ele puxava pelo pescoço e fazia a gente subir de novo assim. "Sobe e faz de novo". pegava a gente pelo pescoço e arremessava. (…) Tinha medo dele, com certeza. (…) Foram dos 10 aos 15 (anos) frequentemente sendo tocado nos treinamentos, sendo visto nos banhos. (…) Não é fácil. Hoje, eu virar e falar "olha, fui abusado por um cara que era meu treinador". Quem aceita isso? Graças a Deus minha noiva aceita super numa boa. Ela me apoia muito a dar a cara a tapa.”

Vítima C - 22 anos.
“Aos 10 anos comecei a treinar em São Bernardo e fiquei lá. No primeiro ano que fui para o Brasileiro, já fiquei de reserva. Em 2009, foi meu melhor ano. Peguei seleção, fui vice-campeão sul-americano. Em dois anos em São Bernardo com Fernando como meu treinador. Em 2012, brigamos de vez com o Fernando. Fui para São Caetano. Depois, em 2016, voltei a treinar em São Bernardo. Mas o Fernando ainda dava aula lá. E aí desisti de vez.”

“No começo, era tudo bem. Não conversava muito com os outros meninos. Comecei a treinar. Na segunda semana, por aí, já começaram algumas situações meio estranhas. Ele encostava em mim em alguns exercícios. Mas tipo, como eu era criança, para mim, era a única forma que dava para ajudar. Só que o tempo foi passando e fomos conversando entre a gente até algumas coisas. Mas os caras iam tomar banho e meio que tentava trancar a porta e não dava. Compramos uma cortina para colocar, só que ele arrancou. (...) O Fernando mandava a gente tomar um banho num horário que ele podia entrar no banheiro. Se você ficasse de costas para ele, quando você estivesse tomando banho, ele falava que queria conversar com você. E você, de costas, falava que ele podia falar. Mas ele falava: “Não, você tem de virar para frente". Ele ficava olhando nossas partes íntimas. E ficava pedindo para tocar no nosso pênis.”

Ele pegava os mais vulneráveis, os que não reclamavam, os que não falavam nada porque a gente era criança.
“Ficava perguntando se a gente já tinha pelo, que era coisa que ele precisava saber para ver que treino ele ia fazer para gente. Ele colocava câmera, falando que a câmera estava carregando na tomada. Só que ele deixava a câmera ligada para filmar a gente. (...) Ele pegava os mais vulneráveis, os que não reclamavam, os que não falavam nada porque a gente era criança.”

“A gente não sabia muito bem o que estava acontecendo. A gente acreditava na palavra dele. Agora que a gente sabe das coisas que dá uma revolta porque às vezes ele chamava um por vez. Mandava um embora mais cedo para entrar no banheiro. Já chegou a pedir pra eu me masturbar na frente dele. Já tentou pegar no meu pênis. Já pegou, não posso mentir.”

“Ele pedia pra gente ir na salinha dele. (...) Só podia entrar lá com ele. E lá ele ficava perguntando se a gente já se masturbava, pedia para ficar fazendo na frente dele. E não podia reclamar. Porque dizia que a gente não ajudava. Dizia que ele precisava saber disso, precisava ver as coisas pra poder montar um treino pra gente, entendeu?”

Eu não tinha reação, não sabia o que fazer.
“Falava que não podia entrar de roupa na sauna. Tanto é que eu nunca fui na sauna por causa disso. Na época que ele começou a me chamar para a sauna, eu já sabia como funcionava. (...) O pessoal foi crescendo e começou a reclamar. E ele brigava com a gente por reclamar. Às vezes mandava embora do treino.”

“Eu não tinha reação, não sabia o que fazer. (...) Às vezes, tentava conversar com alguém, mas não sabia com quem falar. Ele sempre teve essa maldade com todo mundo. E ele fazia as coisas descaradamente, na frente de todo mundo. Os adultos dos outros clubes, eles sabiam de tudo. Tanto é que, nas competições, a gente era motivo de chacota. "Ah, vou chamar o Fernando para tomar banho com vocês". Essas coisas. O pessoal zoava a gente. Só que a gente não tinha o que fazer. O que me deixa mais indignado hoje em dia é porque, todos, não posso dizer todos, mas vou falar. Tem técnicos que sabiam o que acontecia. Em vez de falar alguma coisa, eles meio que chacotavam a gente, zoavam a gente.”

“(...) Ele ia pegando o pessoal mais novo, até os que não eram daqui, de outros estados. Os meninos pensavam o que? “Ah, ele está me ajudando, eu também não posso reclamar”. A forma como ele ajudava, a base da troca era isso. Tem um monte de coisa. Ele sempre ajudou, ajudou bastante. Mas não ajudava por ajudar. Mas para ter um domínio. Eu te ajudo nisso, nisso. Meio que abusava dos meninos, de mim, né. De todos nós, para falar a verdade. Se reclamasse, ele cortava algumas coisas. Dinheiro, essas coisas. Os meninos que ele não tinha mais controle, ele abandonava. Deixava treinando sozinho. É um doente mental.”

“Quando eu vi (a denúncia), pensei que poderia ser uma possibilidade. (..) Com ele falando, começamos a conversar entre a gente. E todos se revoltaram. Porque, agora, entendíamos o que estava acontecendo. Hoje a gente entende o que aconteceu naquela época. Porque a gente era novo. Hoje, eu sou estressado, meio quieto, não consigo conversar sobre meus problemas. E é por causa disso. Eu não consigo conversar com ninguém sobre nada. A gente quer que ele fique preso, para não dizer outra coisa. (...) É difícil. É bem revoltante, para falar a verdade.”

“Quando mudei para São Caetano, todos os técnicos sabiam. (...) Os técnicos todos faziam piadas. (...) Uma piada ou outra alguns faziam. Mas o Marcos (Goto) chacotava bastante. Ele chacotou bastante as pessoas. Por que em vez de fazer piada, ele não fez alguma coisa para ajudar? Essa é a situação. (...) Não era só em São Caetano. Eram outras equipes, outros técnicos também, todos os técnicos sabiam o que acontecia. (...) E do nada, o cara estava na seleção. Estava trabalhando para o Comitê Olímpico. (...) Ele tem que pagar por isso.”

Vítima D - 24 anos
“Foram 10 ou 11 anos de ginástica. (...) Fernando sempre deu treino no Mesc. Não foi o único técnico que eu tive, mas sempre esteve lá. Primeira recordação que eu tenho de abuso do Fernando foi agressão física. Agressão física e moral, né? Num treino que a gente estava tendo, um dos atletas não estava fazendo as coisas direito. E ele tinha o costume de expor os atletas. Ou xingar, falar alto. Um dos atletas, dez anos, ele colocou no banheiro feminino porque estava chorando.”

“Ele colocava atletas de castigo, de frente para a parede, como se fosse um tipo de repressão. De apertões no braço a beliscões a empurrões a arremessar objetos nos atletas. (...) Teve um episódio que ele arremessou um rolo de esparadrapo, duro. Outra vez, arremessou um taquinho, pedaço de madeira. (...) Era uma pressão psicológica que eu achava sempre desnecessária. De pequeno, das primeiras lembranças, era o que mais me incomodava. Às vezes, ele pegava um cabo de vassoura. Quando não estendia o joelho, ele batia.”

“(...) Dos outros técnicos com quem passei, sempre tive uma relação muito boa. Nunca era feito nenhum tipo de agressão. O caminho era outro, era de conversa, de explicar o que estava acontecendo. (...) As experiências que eu tive de agressão foram só com o Fernando. A única vez que aconteceu mais perto de mim foi que ele começou a gritar comigo, eu gritei e ele se afastou. (...) Uma vez, quando era um pouco mais velho, a gente pagava castigo dentro do treino. Um dos atletas precisou fazer a corda, que é alta. A gente precisava se pendurar e subir como forma de castigo. Ele estava brigado com o atleta e começou a balançar a corda. Eu intervi, ele de fato parou. Mas foi totalmente desnecessário. (...) Eu fiquei assustado, ele estava cansado e precisando pagar castigo. Outros atletas que eu vi de agressão física mesmo, de trocar soco. Não sei especificar exatamente onde, onde que bateu o soco, onde que o chute acertou, mas sim, já vi. (...)”

“Algumas coisas marcantes para mim era pedir pra saber se estava nascendo pelo pubiano ou como que estava o desenvolvimento do órgão. (...) Eu nunca cheguei a mostrar, mas eu tenho amigos que falaram que sim, que já mostraram. E ele relatava isso como se fosse uma necessidade do treino, para ele mudar periodicidade, mudar o programa de treino.”

Realmente era corriqueiro de ele entrar no banheiro, conversar com a gente enquanto a gente tomava banho. E também era algo que a gente falava para ele sair e ele não saía
“Durante os nossos treinamentos, muito frequentemente, ele tocava nas nossas partes íntimas. E não era algo que ele fazia sem saber por que a gente conversava com ele, a gente marcava reunião para falar com ele para ele parar de fazer. E ele justificava dizendo que era assim que ele tinha que ajudar, que assim ele dava mais segurança, de que assim era melhor. Mas a gente falava que não queria e ainda assim ele continuava. Foram alguns momentos conturbados.”

“Episódio de banheiro, acho que todo treino. Realmente era corriqueiro de ele entrar no banheiro, conversar com a gente enquanto a gente tomava banho. E também era algo que a gente falava para ele sair e ele não saía, ele falava que tinha que conversar com a gente, a gente pedia pra conversar em outro horário, ele falava que não. Que era ali. A gente se incomodava, pedia para sair, mas não resultava em nada.”

“(..) A sauna era um negócio muito marcante para mim. Durante o treino além dessas coisas de castigo, ele também tinha uma forma de recompensar os atletas que treinavam bem e ele tinha momentos que falava que os atletas que treinassem bem tinham o direito de ir na sauna. Só que a gente só podia ir à sauna se fosse pelado. E isso me incomodava muito, e eu resisti muitas vezes em ir na sauna. (...) Ele tinha uma retórica impressionante. Ele era capaz de convencer muita gente do que ele falava e que era certo. (...) A gente reclamava, mas nunca resultou em nada.”

“(...) A gente sofria, mas era muito confuso sobre o que acontecia. Isso causava angústia dentro do treino. Brigas. E eu sempre briguei a respeito de tudo isso. Mas não com a consciência do que isso significava. Acho que isso são coisas que a gente vai ganhando um pouco mais velho. Eram brigas que eu tinha com ele, mas não por ser abuso. Era porque eu me sentia mal. (...) A partir do momento que eu vi, de fato, que foi alguém denunciar pareceu que foi meio que um estalo. Tipo: “Cara, por que que a gente não fez isso antes, sabe?" Na verdade, a gente tinha que ter ido.”

Vítima Ronald Cesar
Ronald Cesar, além de Petrix Barbosa, foi a única vítima de Fernando que topou mostrar o rosto. O ex-ginasta, que hoje trabalha como treinador de cheerleaders em Brasília, deixou o esporte há algum tempo. Ainda assim, lembra com exatidão do trauma sofrido quando morou em São Bernardo do Campo

“Sou de Brasília. Aos oito anos entrei para uma equipe de ginástica e treinava de segunda a sábado. Fernando me chamou para um teste. Eu comecei a treinar com ele e fui para São Bernardo. Eu morava numa república de atletas, a Casa Verde, que tinha vários atletas de Brasília e de outros estados.”

“Eu tinha 15 anos. E a visão que a gente tinha é que ele treinava os melhores, que ele tinha toda essa bagagem de seleção brasileira, treinar atletas muito bons como o Sérgio Sasaki, o Diego Hypolito”

Ele pegava no nosso pênis, na nossa bunda, ficava pegando nesses lugares que não precisa.
“Você está treinando com um técnico, ele começa a pegar em você e depois fica dando desculpa que é para consertar o movimento, que é pra você sentir o que você tá fazendo de errado, sendo que ele podia corrigir de outra forma, como o meu técnico de Brasília sempre fez. E eu nunca vi outro técnico fazendo isso, entendeu? Ele nunca fazia isso com os mais velhos, ele fazia com os mais novos porque as crianças mesmo não viam mal nenhum nisso - acaba que tinha maldade. Eles só não sabiam.”

“Falei com meus os pais quando voltei pra Brasília e na época eles não sabiam do que tinha acontecido. Falei também com o Caio porque ele estava comigo. Minha mãe perguntou se eu queria denunciar ele, mas foi passando...”

“Tinha um exercício que era tipo parada de mão. Um dia eu falei: “O que você tá fazendo?”. Aí ele falou: “Não, eu tô te corrigindo pra você sentir o movimento”. E eu deixei algumas vezes, achando que era pra corrigir. Mas começou a me incomodar tanto que eu falei: “Não, eu não quero que você corrija assim. Você não vai mais ficar tocando em mim que eu não quero que você faça isso”.”

Minha mãe perguntou se eu queria denunciar ele, mas foi passando...
“Eu achei muito estranho, não estava acostumado com isso. Ele pegava no nosso pênis, na nossa bunda, ficava pegando nesses lugares que não precisa. Era só pegar no abdômen, um pouco mais em cima, ou nas costas, na coxa...”

“Depois do treino, ele ia ao banheiro. Todas as vezes, ele ia fica lá, olhar a gente tomando banho. Eram boxes abertos, ele ficava lá e dava pra ver todos. Ele ficava lá e dava pra ver todos. Ficava conversando sobre o treino e olhando a gente. Todos os atletas tomavam banho numa boa. Como ele era homem também, era normal. Ele só estava ali conversando com a gente. Essa parte a gente não achava estranho na época.”

DOIS ANOS COMO TÉCNICO DA SELEÇÃO
Formado em Educação Física na Universidade Metodista de São Caetano, Fernando de Carvalho Lopes chegou à ginástica sem muita base. Tinha um passado no vôlei, mas buscou conhecimento, se preparou e se especializou em descobrir novos talentos. Em São Bernardo do Campo, um dos polos da modalidade no Brasil, organizava peneiras com crianças. E descobriu, entre outros, dois dos maiores talentos do esporte do país: Sérgio Sasaki e Petrix Barbosa.

Aos poucos, Fernando transformou o Mesc, pequeno clube em São Bernardo, em referência na ginástica de base. Formou ginastas campeões brasileiros e sul-americanos e viu vários deles chegarem à seleção.

Depois dos bons resultados na base, passou a ser chamado para participar de campings organizados pela Confederação Brasileira de Ginástica a partir de 2011. Ao mesmo tempo, também atuava como árbitro em competições organizadas pela entidade.

Depois da Olimpíada de Londres, em 2012, os convites ficaram mais frequentes, e Fernando viu seu nome ganhar força no cenário nacional. Por isso, em 2014, conseguiu um patrocinador para seu projeto no ASA, clube também de São Bernardo e em parceria com o Mesc. Com verba à disposição, foi atrás de estrelas. Contratou Diego Hypolito e Caio Souza, mas ouviu um não de Sasaki e Petrix, seus antigos pupilos.

Com o projeto, Fernando, enfim, foi integrado à comissão técnica da seleção brasileira permanente criada pela CBG. Ao lado de Marcos Goto, Renato Araújo e Cristiano Albino, seria o responsável por preparar a equipe rumo aos Jogos Olímpicos do Rio, em 2016.

Ganhou ainda mais força com a recuperação de Diego Hypolito antes da Olimpíada. Os bons resultados de seu principal atleta o alçaram ao posto de um dos principais técnicos do país. Mas às vésperas da Rio 2016, foi acusado de abuso sexual por um atleta, menor de idade, que treinava no ASA São Bernardo.

Com isso, Fernando foi afastado da comissão técnica da seleção brasileira de ginástica a um mês da Olimpíada, em junho de 2016.

- Até então eu nunca soube de nada. Depois que a veio a denuncia, eu comecei a perguntar para o (Sérgio) Sasaki que estava comigo na viagem (Renato e Sasaki estavam em Portugal na época por causa de uma competição). E o Sasaki falou algumas coisas e tal. Mas não vi nada acontecer na seleção - disse Renato.


Fernando de Carvalho Lopes foi técnico do ginasta Diego Hypólito. Foto: Reprodução Instagram
INQUÉRITO ESTÁ NA DELEGACIA DE SÃO BERNARDO HÁ QUASE DOIS ANOS
O primeiro depoimento que acusa o ex-técnico da seleção brasileira masculina de ginástica artística Fernando de Carvalho Lopes e que deu início à investigação na Polícia Civil foi dado em 8 de junho de 2016, dois meses antes do início da Olimpíada do Rio. De lá para cá, a ação, que corre sob sigilo de Justiça, já foi e voltou da 2ª Vara Criminal do Ministério Público SP para a Delegacia da Mulher, da Criança e do Adolescente (DDM), de São Bernardo do Campo, Grande São Paulo, várias vezes e segue sem previsão de ser finalizada. Por isso, a acusação na Justiça não foi formalizada ainda.

Segundo apuração do Globoesporte.com, foram ouvidas 15 testemunhas (sendo 11 na DDM e quatro no MP) até agora. Mais 13 pessoas citadas no processo precisam ser ouvidas, e o que retarda a conclusão do inquérito é que algumas delas moram fora do estado de São Paulo ou no exterior - precisam prestar depoimento por carta precatória. Novas testemunhas podem ser convocadas a depor, dependendo das oitivas que restam.

A demora para a conclusão do inquérito causa angústia às vítimas. Um dos ginastas que acusam Fernando de Carvalho Lopes de abuso e que prestou depoimento à polícia questiona o fato de a denuncia não ter avançado. E ele continuar trabalhando no Mesc, em São Bernardo.

— A gente ficou com uma sensação na verdade de que o caso não existia mais, de que isso não ia para frente, de que isso ia acabar ali. Era uma sensação um pouco de angústia, um pouco de revolta. A gente foi lá contar coisas, e não importa se era um ou se eram com 20. E a sensação que a gente tinha era que tinha acabado. Não comoveu ninguém a continuar a investigação. O que mais me revoltou depois foi ver que ele continuava trabalhando, que ele continuava tendo essa proximidade das pessoas. Nada foi feito a respeito. - disse a Vítima D

O prazo para conclusão do inquérito na delegacia é sempre de um mês. Passado esse tempo, a ação vai para o MP e, se não estiver concluída, o prazo é prorrogado, sempre por mais 30 dias. No MP, o processo está registrado como "estupro de vulnerável". De acordo com o artigo 217 do Código Penal (redação dada pela Lei 12.015, de 2009), a acusação se enquadra nesse termo por "ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos", com pena de reclusão de oito a 15 anos para cada vítima citada no inquérito.

No MP Estadual de São Bernardo, o caso Fernando Lopes passou pelo promotor Maximiliano Rosso e está atualmente com Luis Marcelo Mileo. Na DDM da cidade, a delegada Teresa Alves de Mesquita Gurian, do 1º DP de São Bernardo, acumula a titularidade provisoriamente porque a delegada titular anterior se aposentou e ainda não foi substituída. A falta de estrutura e definição na DDM também atrasa a conclusão do inquérito.

Até a última segunda-feira (23 de abril), o advogado de Fernando de Carvalho Lopes, Luis Ricardo Vasques Davanzo, também presidente da OAB de São Bernardo, pediu vistas do processo para analisar a tramitação uma única vez, pouco mais de um mês depois da ação ter sido iniciada.

Os pais do menor que fez a primeira acusação em 2016 ainda esperam a resolução do caso. Eles lembram da sensação de fragilidade ao saber dos abusos contra o filho.

— Na hora que você descobre uma coisa dessas com um filho seu. Nossa. Não desejo isso para ninguém. Você acha que nunca vai acontecer com você. Mas acontece. Porque você não percebe. Você não percebe - disse o pai do menor.

Já a mãe ainda tenta entender como tudo aconteceu. Diz, porém, que o filho luta para seguir com sua vida após se recuperar do trauma sofrido.

— É uma mistura de sentimento que não dá para definir. Você pensa que seu filho está seguro ali, mas não está. A culpa é muito grande. Mas ele está bem. Ele está seguindo o que ele decidiu seguir agora.

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