Jornalismo é a arte de contar histórias. Sempre fiz dessa frase um mantra na vida que escolhi para seguir
profissionalmente. Mas e quando a história a ser contada se confunde com a sua própria? Não teria a
petulância de me colocar como parte de tudo que aconteceu na madrugada de 29 de novembro no Cerro
Gordo. Viver o dia a dia da Chapecoense, entretanto, naturalmente faz com que seus conceitos mudem,
com que sua vida e história tomem novos rumos. E não tinha como passar por aquele morro na tarde de
terça-feira, em Medellín, sem pensar no quanto a vida de cada um de nós passou a ser diferente depois
daquele acidente. E que me perdoem os leitores que esperavam linhas sobre a decisão da Recopa
nesta quarta-feira, simplesmente não dá. Ficou em segundo plano.
Tudo que acontecer a partir das 21h45 (de Brasília), no Atanasio Girardot, está diretamente ligado ao que
aconteceu quase seis meses atrás naquele morro de La Unión. E nem mesmo nós, jornalistas, preparados
e cobrados para sermos frios e imparciais, conseguimos passar isentos a isso. O filme que passou pela
cabeça de Neto, Alan Ruschel e Follmann em visita ao local do acidente foi reproduzido em espécie de
minissérie em minha mente ao acompanhá-los. Por que estou aqui? Por quem estou aqui? Como lidar
com tantos sentimentos? Eram essas as perguntas que me fazia a cada passo no trajeto escorregadio
e cheio de lama até o ponto onde parou o avião que - cada um a sua maneira - mudou a vida de todos nós.
Confesso que a emoção daquela visita deu lugar a um estado de choque que me fez questionar: por que não
estou chorando? A resposta veio diante dos olhares atônitos dos sobreviventes, que também relutavam em
derramar lágrimas. Parecia realmente que só ali entendíamos ser verdade tudo que ouvimos e vivemos ao
longo dos últimos cinco meses e meio. Forcei a me dividir entre a necessidade de retratar cada passo de Neto,
Alan e Follmann e a obrigação de me deixar levar um pouco por tudo que aquele ambiente tinha de influência
também sobre mim. Perdi amigos, companheiros de variadas fases de vida, e, depois de tudo, mudei a
minha própria história para tentar contar um pouco do que aconteceria dali para frente com a Chapecoense.
Trocar o Rio por Chapecó foi também uma maneira de agradecer por ter tido Guilherme, Arthur e Bruno em
minha vida. Cada um ao seu jeito, todos marcantes. Minha dor era minúscula perto da de tantos familiares e
pessoas próximas dos 71 que deixaram suas vidas naquele Cerro Gordo, mas doía. Desde as quase 3h da
manhã do dia 29 de novembro (quando recebi a notícia), eu também passei a fazer parte daquilo, e a ida ao
morro era uma maneira de aceitar e entender tudo que aconteceu a partir de então.
O estado de choque e incredulidade me secaram as lágrimas, mas não impediram de sentir e lembrar cada
momento ao lado deles. As mensagens sem respostas no Whatsapp em 29 de novembro só serviram para
reforçar minhas memórias. Bruno Rangel era promessa do Goytacaz em 2004, meu primeiro ano como setorista.
Dez anos depois, nos encontramos e vibramos com a realização de nossos sonhos. Saímos de Campos e
vencemos, cada um na sua. A relação com Arthur Maia foi mais curta, mas não menos especial. Nos
conhecemos no Flamengo, nos encontramos no Carnaval de Salvador, nos falávamos quando necessário -
como na semana do acidente. Garoto do bem, inquieto e cheio de sonhos. Já Guilherme Marques merece
um parágrafo a parte.
Ao embarcar para Medellín, logo veio a cabeça a postagem em rede social, cheia de alegria, pela história que
contaria nos dias a seguir. Jornalista nato, como sempre nos mostrou desde o tempo de estagiário no
GloboEsporte.com. Nosso Prefeitinho, como era chamado, tinha sorriso aberto, mente sonhadora. Daqueles
que nos ensinam por tanto querer aprender. Estar aqui também é, sim, uma forma de contar o capítulo final
daquela história da qual passou a fazer parte. História que tenho até dezembro para retratar e viver com a
pureza e alegria que estão expostas para quem quiser ver em foto na praça em La Unión.
Ser setorista da Chapecoense me mostrou que dor não se mede, se sente. E que a vida passa em um piscar de
olhos. Esses meses em Chapecó me renovaram a esperança, me apresentaram sensações que nunca tinha
sentido, e têm feito de mim uma pessoa melhor. Ninguém passa imune por uma tragédia desta magnitude, e eu
aceitei sentir de perto a força dessa história. Mais perto do que nunca em Medellín. Por Bruno, por Arthur e por
Guilherme. Pelo sorriso de Follmann, pela serenidade de Neto e pela intensidade de Ruschel. Por mim.
A Chapecoense precisa só de um empate às 21h45 (de Brasília), contra o Atlético Nacional, para voltar para o
Brasil com mais um troféu. Por tudo que representa, muito provavelmente o mais importante para sua história.
Mas o futebol que me desculpe, as primeiras 48 horas em Medellín já nos trouxeram ensinamentos suficientes
para que todos nós saiamos maiores do que chegamos à Colômbia. E nada que acontecer em 90 minutos vai
mudar isso.
Atlético Nacional x Chapecoense
Data e hora: 10 de maio, às 21h45 (de Brasília)
Local: Estádio Atanasio Girardot, em Medellín (Colômbia)
Competição: Recopa Sul-Americana
Chapecoense: Artur Moraes, João Pedro, Douglas Grolli, Luiz Otávio e Reinaldo; Moisés Ribeiro; Andrey
Local: Estádio Atanasio Girardot, em Medellín (Colômbia)
Competição: Recopa Sul-Americana
Chapecoense: Artur Moraes, João Pedro, Douglas Grolli, Luiz Otávio e Reinaldo; Moisés Ribeiro; Andrey
Girotto e Luiz Antonio; Rossi, Wellington Paulista e Arthur Caike.
Transmissão: SporTV (Julio Oliveira e Rapahel Rezende)
Transmissão: SporTV (Julio Oliveira e Rapahel Rezende)
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