Sede social é reflexo da crise do Guarani: funcionários sofrem com descaso da administração (Foto: Carlos Velardi/ EPTV)
Geraldo, João e José são personagens de uma história mal contada, com capítulos de riqueza, ganância e decadência. Que passa longe do conto de fadas. Na triste realidade que enfrentam há anos, os três se dedicam integralmente ao Guarani, mas não recebem nada em troca. Nem o que a lei exige. Eles representam uma parcela mínima dos 250 funcionários que trabalham no Brinco de Ouro e convivem com o drama de voltar para casa com os bolsos vazios. E sem esperança.
A crise financeira que derrubou o time de futebol ladeira abaixo e manchou a imagem do clube Brasil afora atingiu em cheio os trabalhadores do dia a dia. Eles vivem em um paradoxo. Não entram em campo e por isso não são reconhecidos. Só que, por não serem famosos, ficam no fim da fila na hora de receber salário. Geraldo, João e José estão entre os muitos com pelo menos três meses de pagamentos atrasados. E mesmo assim não largam o Brinco de Ouro.
O GloboEsporte.com separou três histórias entre as muitas esquecidas nos corredores do estádio, cujo leilão está parado na Justiça do Trabalho, sem data para sair. Os relatos mostram a rotina de dificuldades, a vontade de jogar tudo para o alto e também a vã esperança que não os deixa desistir. Apesar de tudo, eles confiam que o Guarani tem jeito. Qual? Aí é outro problema. E problema eles já têm demais.
João Teixeira de Souza é duro na queda. Trabalha nove horas por dia, seis dias por semana (a folga é sempre às segundas-feiras), rotina que dura 37 anos. É um dos responsáveis pelo refeitório do Brinco de Ouro, local que serve almoço, lanche da tarde e jantar a atletas da base, jogadores profissionais e funcionários. Em um dia lotado, 170 pessoas se alimentam por ali.
Números impressionantes, ainda mais para um momento tão precário. Seo João tem só dois companheiros (um cozinheiro e uma ajudante), já que dois saíram recentemente por não aguentar mais "trabalhar de graça". Os que ficaram se desdobram para cumprir a função como se o caos não estivesse instaurado. O Guarani ameaça fechar parte do clube, especialmente piscinas e áreas sociais, se novos recursos não aparecerem.
– Não recebo salário em dia desde a época do Beto Zini – diz o funcionário, enquanto arruma os pratos de salada, arroz, feijão e mistura.
A frase é triste, apesar do sorriso intacto no rosto. Zini deixou a presidência do Guarani em 1999. Depois dele, passaram José Luis Lourencetti, Leonel Martins de Oliveira, Marcelo Mingone, Álvaro Negrão e, agora, Horley Senna. A falta de dinheiro é comum de lá para cá. Seo João, porém, tem esperança. Arruma a touca, se despede do repórter e volta para a sua função. É assim que pode ajudar.
João Teixeira de Souza trabalha na cozinha do Guarani há 37 anos e convive com o pior momento (Foto: Murilo Borges)
No Guarani, futebol não é coisa só para homem. As meninas, por sinal, têm tantos ou mais troféus do que os marmanjos. Quem cuida disso atualmente é José Arthur Thomaz, o faz-tudo da categoria, como ele mesmo brinca. É treinador, coordenador, massagista, psicólogo e também administrador. Ocupa sozinho a sala com 360 taças, exposta em um dos cômodos localizado abaixo do tobogã.
A categoria, porém, está largada. Apesar de estar na disputa do atual Campeonato Paulista, as meninas não são custeadas pelo Guarani. Sequer recebem para atuar. O elo entre Bugre e as jogadores é Thomaz, funcionário do clube há cinco anos, mas que, entre atrasos antigos e novos, acumula 12 meses sem um centavo. Ele organiza treinos de terças, quintas e sábados e tenta motivar o grupo. Não sabe mais por quanto tempo.
– Motivação já foi. Tem que mudar bastante, ter um caminho mais transparente. A gente só vem (trabalhar) pelo compromisso de ser funcionário. Até quando, não sei – afirma.
José Artur Thomaz treina a equipe feminina e fica surpreso com possibilidade de fechar as portas (Foto: Murilo Borges)
A FALTA DE PERSPECTIVA DE GERALDO
Geraldo é outro que vive a turbulência do Guarani há anos. Dezessete, precisamente. É responsável pela manutenção da parte social do clube, mas, pelas dificuldades financeiras, quase não tem muito o que fazer no dia a dia.
– Nunca passei igual agora. Já tinha ouvido falar que ia fechar, que ia acabar. Eu mesmo falava que ia acontecer isso aqui. Hoje eu falo: está muito perto disso acontecer. Os funcionários não aguentam mais 30 dias sem receber – diz o funcionário.
A esperança está quase perdida. Para quem está mais acostumado com dramas do que situações positivas, seo Geraldo está prestes a desistir. Ao caminhar no clube e ver piscinas vazias, paredes mofadas e nenhuma perspectiva de melhora, ele já se vê longe do clube. Até fala em abrir mão do que merece receber. Tudo por um pouco de paz, que passa longe do Brinco.
– Estamos sem perspectiva nenhuma. Cada dia que passa, você vai perdendo a esperança. Falo por mim: na situação que está hoje, eu vou embora. Não fico mais – ameaça.