Para procurador, tribunal e código ficaram mais brandos. Jogada violenta e deixar de tomar providências para prevenir e reprimir desordem estão entre principais infrações
De 709 para 1.130 processos julgados em um período de quatro anos. Em 2011, o volume de trabalho dos auditores e procuradores do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) era 37,2% menor. Este e outros dados foram compilados em um relatório anual que traz as estatísticas dos julgamentos, infrações mais comuns, e um raio-x em números de cada comissão disciplinar. Os dados apontam que, em 2014, o total de multas aplicado pelo tribunal foi R$ 1.844.125,00, com 21,3% das multas minoradas após recursos ao Pleno, a instância máxima do STJD, que recebeu 251 recursos voluntários no ano que se encerrou, sendo 102 da Procuradoria do tribunal. O dinheiro vai para os cofres da CBF e, de acordo com o procurador-geral, Paulo Schmitt, o montante poderia ser ainda maior com a aplicação de pena pecuniária em determinados artigos como o 258 (assumir qualquer conduta contrária à disciplina ou à ética desportiva).O maior número de infrações é ao artigo 191 (deixar de cumprir ou dificultar o cumprimento de obrigação legal ou regulamento geral) do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), com 530 denunciados. Em segundo, com 265 infrações, está o artigo 258. Outros artigos, como o 250 (ato hostil), 206 (atraso de partida), 254 (jogada violenta) e 213 (deixar de tomar providências capazes de prevenir e reprimir: desordem, invasão; lançamento de objetos) também estão entre os que têm maior número de infrações. Há algumas curiosidades. Por exemplo, todos os 24 casos de infração ao artigo 257 (participar de rixa, conflito ou tumulto, durante a partida) foram julgados pela 4ª Comissão Disciplinar. Houve também casos emblemáticos e de grande repercussão, como o do goleiro santista Aranha, no qual o Grêmio foi enquadrado no artigo 243-G, que trata de preconceito e racismo, e acabou eliminado da Copa do Brasil.
A maior preocupação, no entanto, para Schmitt, é a violência. Fora de campo, destaca os episódios lamentáveis no fim de 2013, em especial na partida entre Atlético-PR e Vasco, citando também casos ocorridos no início do ano passado no Nordeste e a morte do torcedor após o arremesso de um vaso sanitário no Arruda. Ele explicou que a Procuradoria do STJD registrou um crescimento de 40% nas denúncias de 2013 para 2014 e enxerga relação entre o rigor do tribunal e as estatísticas. Schmitt acredita que, além do Código Brasileiro de Justiça Desportiva ter se tornado mais brando em alguns pontos ao longo dos anos, punições mais duras acarretariam uma diminuição no número de infrações e, consequentemente, processos julgados pelo tribunal.
- O aumento de denúncias (e consequentemente de processos disciplinares), permite fazer várias "leituras". Uma delas tem relação com o atual CBJD. Quando foi editado em 2003 tinha penas muito rigorosas, o tribunal da época também pegava mais pesado. Com o passar dos anos tanto o código, outras normas desportivas, assim como os tribunais sofreram várias modificações. Os clubes e atletas em geral não têm preocupação alguma com disciplina. Tudo é resultado, pouco importa o resto. Penas rigorosas e tribunal mão pesada impõe mais respeito – analisou.
O procurador-geral afirmou que a crescente indisciplina dentro de campo é um “péssimo exemplo” para as arquibancadas e vê relação entre o comportamento dos atletas e dos torcedores. Para Schmitt, o crescente número de ofensas e agressões nos gramados acaba se refletindo na torcida.
- Toda infração preocupa, mas a violência aparece com maior ênfase nos atos de torcedores que causam tumultos, desordens, invasões, arremessos de objetos. Os estádios e suas cercanias continuam sendo palco de violência. O ano de 2013 encerrou com um caso gravíssimo na partida entre Atlético PR e Vasco, e 2014 iniciou com casos igualmente graves em partidas disputadas em Pernambuco, Paraíba, e outros, o que se alastrou por todo o país durante o ano. E entre os "atores de dentro de campo" é crescente o número de ofensas, desrespeitos e agressões. Um péssimo exemplo para as arquibancadas, e como se vê uma coisa também está relacionada a outra. As infrações praticadas por atletas em desrespeito a autoridades e arbitragem foi um dos destaques em 2014, mas o enfrentamento entre torcedores e atos de violência também marcaram o ano, valendo o registro do torcedor morto com o arremesso do vaso sanitário no jogo entre Santa Cruz e Paraná no estádio do Arruda.
Ao comentar sobre o aumento nas denúncias, Schmitt adotou um discurso parecido com suas reclamações após a diminuição da pena do jogador Petros, do Corinthians, denunciado por agressão a árbitro.
- A Procuradoria registrou um crescimento médio de 40% de denúncias de 2013 para 2014. O aumento do número de eventos promovidos pela CBF ajuda a explicar um pouco esse quantitativo. Temos uma equipe atenta, tecnicamente muito preparada, compromissada, mas que aos poucos vai se desmotivando com esses números e a falta de resposta dos tribunais e compromisso dos clubes frente a essa realidade, e que vem refletindo no nosso trabalho. Um trabalho profissional e voluntário como o nosso, apesar da dicotomia e contradição dessas expressões, depende de combustível e, mesmo com todo o apoio da CBF, na Procuradoria fica nítido um certo descrédito. Esperamos que o conjunto de ações da Escola Nacional de Justiça Desportiva possa minimizar esse estado de coisas. O futebol brasileiro merece um choque de reestruturação em algumas áreas, não podendo ser ignorada a parte ética e disciplinar, que aliás tem impacto em várias outras.
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