Primeiro troféu em cinco anos e melhor classificação no Campeonato Italiano (ao menos até ao fim de dezembro) das últimas cinco temporadas. É o caso de dizer que o Milan vive os primeiros dias felizes de um novo ciclo da sua história. Mais modesto, menos badalado, sem estrelas, mas com muitos jovens italianos e da própria base rossonera. O sonho do presidente Silvio Berlusconi de ter um Milan 100% italiano parece estar prestes a se tornar real - logo agora que o magnata está a um passo de vender o clube a investidores chineses, cuja identidade ainda é muito camuflada. A diretoria avançou a próxima data para a passagem de propriedade para o meio de março. Mas como isso aconteceu no passado com um investidor tailandês e a venda efetiva nunca se concretizou, já são muitas as vozes na Itália que espalham que a família Berlusconi vai tentar manter o clube.
O Milan derrotou o Juventus na final e faturou o título da Supercopa da Itália (Foto: REUTERS/Ibraheem Al Omari)
Os motivos para não querer se desfazer do clube neste preciso momento são muitos. E todos eles válidos. Depois dos últimos anos desastrosos, o Milan acaba de conquistar o 29º troféu da era Berlusconi, vencendo o Juventus na Supercopa italiana, e segue sendo uma das surpresas deste campeonato, lutando pelos primeiros lugares da classificação pela primeira vez nos últimos cinco anos.
O time comandado por Vincenzo Montella ocupa o quinto lugar do campeonato, dois pontos atrás do Napoli, que é terceiro, mas com uma partida a menos. Se vencer essa partida adiada (contra o Bologna, remarcada para fevereiro do ano que vem), o Milan passa automaticamente para o terceiro lugar, que dá acesso ao playoff da Champions. A equipe não ocupa essa posição há três anos.
- O sonho do presidente é ver um time com 11 italianos em campo, todos eles jovens garotos. Na prática, os que a gente já tem e integrar mais alguns. Quais? Vocês vão ver em janeiro - afirmou recentemente o treinador Vincenzo Montella em coletiva de imprensa.
A linha é clara: se for ao mercado, o Milan pretende contratar mais jogadores italianos e seguir esse perfil. Em 17 partidas do campeonato até aqui, o clube somou 33 pontos, derrotou duas vezes o líder Juventus (no campeonato e na Supercopa), é a terceira defesa menos vazada da competição com 20 gols sofridos, mas ainda tem de melhorar a média de gols a favor: 27 até aqui (0.81 por partida). O grupo é formado por 14 italianos de um total de 28. Mas dos 11 habituais titulares escalados por Montella, oito são são nascidos na Itália, e quatro desses foram formados na base do clube.
A média de idades é de 25 anos, a sexta mais jovem de todos os times da primeira divisão e a primeira entre os times de ponta. O preço do elenco também é o mais barato de todos os times que teoricamente brigam pelo título. O do Milan vale 217€ milhões (R$ 744 milhões), contra os 444€ milhões (R$ 1,521 bilhão) do Juventus, 337€ milhões (R$ 1,154 bilhão) do Inter de Milão, 319€ milhões do Napoli (R$ 1 bilhão), 275€ milhões (R$ 942 milhões) do Roma. O GloboEsporte.com elenca alguns fatores que levaram o Milan a reencontrar o caminho das vitórias.
Vincenzo Montella
No futebol tático de hoje em dia, a escolha do treinador é fundamental: acertada ou errada, tudo muda. Desta vez, parece que Berlusconi acertou. Montella é um treinador jovem, de 42 anos, que já havia dado mostras do seu talento quando treinou e salvou o Catania do rebaixamento em tempo recorde (em 2012). Na Fiorentina (entre 2012 e 2015), conquistou três vezes o quarto lugar do campeonato e, por pouco, não classificou o time para os playoffs da Liga dos Campeões em 2013 - um pênalti polêmico deu a vitória ao Milan na última rodada. Montella é um técnico que aposta no coletivo, potencializa os seus times ao máximo e consegue bons resultados mesmo sem grandes estrelas. É verdade que o título da Supercopa é o seu primeiro troféu como treinador, mas, no geral, os seus resultados foram sempre bons para os elencos que teve à disposição. Com o Milan, foi capaz de impor um estilo de jogo. O San Siro deixou de ser um dilúvio de passes errados e gols falhados. Hoje, o Milan encontrou um estilo de jogo prático, rápido e direto, onde os poucos talentos técnicos do time (Suso, Bonaventura e Bacca) conseguem se exprimir quase sempre ao máximo.
Montella em coletiva de imprensa ao lado da taça da Supercopa da Itália (Foto: KARIM JAAFAR / AFP)
"Italianização"
Sem dúvida, esse é o fator que mais chama atenção. Sem interesse em investir mais capital num clube endividado até aos cabelos, a diretoria buscou soluções internas. Atualmente, de um elenco formado por 28 jogadores, 14 são italianos, e a maioria é titular. Do time habitualmente escalado por Montella, oito jogadores são nascidos na Itália. As vantagens são muitas. Além de falarem obviamente o mesmo idioma, todos eles estão bem adaptados à realidade do campeonato e têm uma visão de jogo semelhante. A "italianização" do Milan demorou para funcionar, já que os primeiros anos pós-título de 2011 foram um desastre.
A ideia colocada em prática por Berlusconi é ter estrangeiros, mas só aqueles que demonstrem grande identificação com a cultura do Milan e que sejam realmente superiores aos italianos formados na casa. A mesma estratégia funcionou nos anos 2000 com Carlo Ancelotti, quando nomes como Pirlo, Gattuso, Nesta, Inzaghi, Maldini, Ambrosini e Costacurta levaram o Milan ao topo da Europa com ajuda de estrangeiros galáticos e totalmente identificados com o clube como Kaká, Rui Costa, Seedorf e Shevchenko. Quem sabe, daqui a alguns anos, Donnarumma, Locatelli e Romagnoli não fazem o mesmo?
Donnarumma, de apenas 17 anos, é o titular do gol do Milan (Foto: EFE/SIMONE ARVEDA)
Goleiro e carisma
A tradição de goleiros no Campeonato Italiano não é uma mera coincidência. Se o Juventus venceu com Buffon, o Milan ganhou tudo com Dida, e o Internazionale com Julio Cesar. O clube rossonero precisava urgentemente reencontrar um camisa 1 com o carisma dos antecessores. E achou em casa Giggi Donnarumma, de apenas 17 anos (assumiu a titularidade aos 16). Apesar da idade, o goleiro italiano transmite confiança, agarra tudo o que pode, comete poucos erros, e é um líder da defesa – a terceira menos vazada do campeonato. Com ele agindo várias vezes como mais um homem da defesa, o meio de campo fica mais livre para criar, algo que não acontecia nos últimos anos, quando os volantes eram constantemente chamados para intervenções defensivas de último instante.
Defesa sólida com veteranos e jovens
E se muito se fala dos jovens, também convém recordar as grandes atuações dos veteranos Abate e Paletta, que têm contribuído e muito para evitar gols. O Milan sofreu 20 em 17 partidas - apenas Roma e Juventus estiveram melhor nesse quesito. O lateral italiano tem oferecido um rendimento físico acima da média, e o veterano Paletta, argentino naturalizado italiano, assumiu a titularidade na zaga ao lado do jovem Romagnoli, formando uma das melhores duplas de zagueiros do campeonato. Na opinião de comentaristas e jornalistas italianos, Paletta foi o melhor zagueiro desta primeira fase da competição, e a mistura de experiência e velocidade de reação que consegue com a sua dupla na zaga é a grande nota positiva do Milan. Na final da Supercopa contra o Juventus, por exemplo, a dulpa não concedeu praticamente nenhum espaço ao badalado ataque formado por Higuaín e Dybala.
Jovens da base/camisa
A identificação com a camisa do Milan sempre foi importante na história e tradição do clube. Muitos dos jogadores e técnicos que deixaram o San Siro nos últimos anos acusaram membros do time de não saber dar o devido valor ao clube. Seedorf foi um dos que mais apontou o dedo. Hoje em dia, esse problema parece resolvido, já que jovens como Locatelli – titular após a lesão de Montolivo – dizem que ainda sentem nervosismo e ansiedade ao entrarem em campo. Locatelli é de 1998; Donnarumma, de 1999; o goleiro reserva é de 2000; Romagnoli, de 1995; Calabria, de 1996; e Di Sciglio é de 1992. Ora, juventude é o que não falta no elenco à disposição de Montella.
Alessio Romagnoli é outro jovem da equipe: tem apenas 21 anos (Foto: Getty Images)
Dos 28 jogadores, oito cresceram na base do Milan, incluindo o zagueiro brasileiro Rodrigo Ely, que se transferiu dos juvenis do Grêmio para Milão antes de se tornar profissional. Como se não bastasse, quatro deles ainda são habituais titulares. Donnarumma e Locatelli moram nos apartamentos destinados aos jovens do Milan, convivem com os meninos da base diariamente e nem sequer têm carteira de motorista. “Comigo e com o Giggio (Donnarumma), o Milan tem um belo projeto para os próximos dez anos. Acho que estamos construindo algo de muito importante”, foram as palavras de Locatelli numa recente entrevista ao Gazzetta dello Sport. A torcida acredita e, desta vez, o projeto parece ter pernas para andar.